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terça-feira, maio 27, 2003

Foi uma boa surpresa...

Semana passada eu fiquei sabendo de uma palestra com o roteirista e diretor Jorge Furtado na faculdade. Eu não sabia quase nada a respeito dele, me sentia sem vontade alguma de saber mais e relutei muito a entrar na sala em que ele palestrava (com a Leandra Leal) sobre seu novo filme O Homem Que Copiava. Nada contra Jorge Furtado, é que no dia eu não estava com muita vontade de ver cinéfilos e gente importante da área rasgando seda para o diretor. Sabe aqueles dias que ver esse tipo de cena te dá náuseas? Pois bem...

Mas mesmo assim, depois de mais de meia hora, entrei na sala e me sentei na segunda fila junto a umas colegas de sala. Bem, se eu não tivesse ido me arrependeria. Primeiro, que ele aparentou ser uma pessoa super simples e levou numa boa todos os momentos “tapete vermelho” em que o colocaram (ele não deu aquele sorriso amarelo falso que muitos usam diante dos elogios, algumas vezes falsos). Nos contou que era ateu, que anda lendo muito Shakespeare por causa do estilo de narrativa, que ele já tentou fazer diversas faculdades – medicina, jornalismo, história, filosofia, dentre outras – mas não concluiu nenhuma (A Leandra Leal que perguntou: “Você chegou a concluir alguma? E ele rindo, disse: “Não”). Porém, o que me chamou a atenção na sua palestra foram os tópicos que eu vou citar abaixo:

Perguntaram o motivo dele gostar tanto de trabalhar com o universo adolescente. Ele colocou que os filmes feitos para este público são filmes, em sua maioria, acéfalos e com piadas escatológicas ou de humor negro, que é possível se fazer cinematografia de qualidade para os jovens. Ele tem dois filhos adolescentes e convive com este universo e, por este motivo, decidiu fazer filmes que respeitassem essa parcela do público.



Outro ponto interessante colocado diz respeito aos roteiristas brasileiros. Furtado acredita que a melhor formação para quem quer escrever roteiros de cinema é ler e não ver apenas filmes. Ele disse que quando a pessoa está inserida dentro de um processo de leitura ela imagina a estória, ela vive o momento que está sendo relatado e por isso a melhor maneira de aprender a contar estórias e lendo estórias e investindo em conhecimento geral – que serve como base para a criação. Além disso, ele comentou que o reduzido número de roteiristas brasileiros se deve ao fato de que muita gente que gosta de ler não quer trabalhar com cinema e muitos que querem não gostam de ler.

Um terceiro ponto que ele colocou e que chamou minha atenção foi quando ele disse que a linguagem do cinema e da tv são as mesmas, e que o termo linguagem é utilizado de maneira errônea por quem diz que a linguagem é diferente. Ele diz que a linguagem empregada nestes dois meios de comunicação são signos como enquadramento, linguagem corporal, etc. A diferença seria na forma como o espectador convive com o meio. Enquanto o nível de atenção do público dentro de um cinema é bastante alto - ele até citou que existe um ritual para ir ao cinema: a decisão de ir, a seleção do filme, a compra do ingresso, da pipoca, entra na sala, senta, começa o filme e tudo em volta parece ter pouca relevância – o nível de atenção de uma pessoa que vê tv é baixa, ela pode ligar o aparelho enquanto tira os sapatos, ou prepara a comida, se o programa não agradar ela muda de canal. Então, o maior desafio dos diretores e produtores seria como lidar com essa alternância de comportamento do público perante o cinema e a televisão.



Acrescentou também que existem certas regras de narrativa dentro de um roteiro – que pelo que eu percebi são semelhantes a construção de um romance – mas que estas podem, e devem, ser quebradas. Uma que ele citou foi a “Estrutura dos 3 Atos”, de Aristóteles, onde se tem uma tese, antítese e síntese, ou seja, você tem uma trama, você dá uma reviravolta nesta trama e depois cria um desfecho para o conflito criado (acho que isso é bastante comum). Ele diz que essa regra é infalível, porém, que os bons roteiristas tendem a quebrá-la. Ele deu o exemplo de Carandiru, que para ele não há uma estória com começo, meio e fim, mas sim quinze pequenas estórias contadas em seqüência. Relatou também o exemplo de Psicose, em que a mocinha morre aos quarenta minutos de filme, que para ele foi uma quebra considerável e ninguém até hoje ousou fazer nada parecido.

Ele falou um pouco também sobre um projeto que eles têm no Rio Grande do Sul, chamado Casa de Cinema de Porto Alegre que fechou um contrato de exclusividade com a Rede Globo de Televisão por três anos. Para quem não sabe (como eu não sabia), Jorge Furtado trabalhou em Memorial de Maria Moura, Agosto e Cidade dos Homens. Mas o mais legal foi ele dando dicas de livros. Um que eu anotei foi A Poética e Nós, de Umberto Eco. Gosto de muito de ler, mas sou do grupo que aprecio os livros, mas não quero fazer cinema...fica a sugestão para quem tiver interesse em convergir estas duas áreas.

Os sites dos projeto e do novo filme dele são os dois abaixo:

O Homem Que Copiava
Casa de Cinema de Porto Alegre

Filmografia

2002 O Homem que Copiava - direção e roteiro
2002 Dona Cristina Perdeu a Memória - roteiro
2001 Houve uma Vez Dois Verões - roteiro
2000 Tolerância - roteiro
2000 O Sanduíche - direção
2000 Caramuru - A Invenção do Brasil - direção e roteiro
1999 Histórias da Cidade - direção
1999 3 Minutos - roteiro
1997 Ângelo Anda Sumido - roteiro e direção
1997 Os Sete Sacramentos de Canudos - direção
1995 Felicidade é... - direção e roteiro
1994 A Matadeira - roteiro e direção
1991 Essa Não é a Sua Vida - direção e roteiro
1991 Esta não é sua vida - direção
1989 Ilha das Flores - direção
1986 O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda - direção
Histórias do País - direção
Barbosa - direção