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quarta-feira, junho 11, 2003

Sobre livros...

O Obsceno Abandono



Nas férias de janeiro – faz tempo, hein? – duas amigas ficaram insistindo para eu ler O Obsceno Abandono, da Marilene Felinto. Eu comprei o livro, li a primeira página dentro do ônibus e constatei que eu o terminaria em uma tarde. Talvez, por isso, eu tenha deixado a obra mais de três meses encostada até efetivamente retornar à leitura. Uma dessas noites em que eu me sentia meio chateada e não tinha muita coisa para fazer, sentei e li num suspiro, não gastei mais de duas horas em suas páginas amarelas. Depois escrevi uma longa carta contando o que havia achado do livro e no dia seguinte relatei a uma das meninas que me indicou a impressão que tive. Ela torceu o nariz, de maneira engraçada, ao ver que eu não havia me identificado com ele.

Se eu disser que não gostei, eu estou mentindo. Eu adorei. Porém, eu não me senti traduzida, identificada com ele. Quer dizer, algumas partes do livro me deixaram pensativa, sim. A primeira delas é quando a personagem faz comentários sobre a sua adolescência e traça um perfil de si comentando as “milhões de vezes” em que havia sido abandonada e termina a sentença dizendo que não sofria de rejeição porque ela era a rejeição. Esse relato me deixou inerte por uns minutos, pois, tudo o que foi dito expressava um fato muito cruel de imaginar na trajetória de vida de uma pessoa: ser rejeitada sempre. Pode parecer meio absurdo isso, mas acontece.

A segunda parte que tocou veio depois desta quando a personagem diz “A gente devia ter aulas de solidão na escola”. Nossa! Eu meio que dei um salto da cama quando li isso. Na ótica do livro, as crianças deveriam ser preparadas desde a infância para enfrentar situaçães de abandono e solidão, pois assim não sofreriam tanto quando passassem por essas experiências. Bem, se isso realmente amenizasse o efeito do abandono, eu até concordaria. Lembro que quando li a frase pensei “é verdade”, mas eu não sei se concordo tanto assim, acho que mesmo quem já foi abandonado diversas vezes nunca está preparado para ser abandonado mais uma vez. Mas a frase é forte e mostra um sentimento de “eu não agüento mais ser deixada” tão forte quanto. Eu achei esse um dos pontos mais belos do livro. Algumas vezes, as frases que nos provocam a sensação de incredulidade ou impossibilidade são as que nos trazem, implicitamente, uma carga de significado especial nas entrelinhas.

A terceira e última parte do livro que realmente mexeu foi o final. Talvez porque a personagem tenha tomado uma atitude que eu também tomaria: a de se isolar do mundo para reestruturar a vida. Ficar sozinha. Absolutamente sozinha. Na cama. Sem mais ninguém por perto. Pensando. Chorando. Planejando. Ou não fazendo mais nada a não ser sentir-se absorvida pelo tempo, até a hora de retornar à luta.

Mas mesmo assim, depois de tudo isso, eu ainda não me identifiquei com o livro e o motivo é simples. Embora se saiba que a personagem sofria uma dor de inquietar a alma e desvirtuar o inconsciente, o seu relato expressou uma dor mais física que emocional; uma dor de privação do prazer, constituída por mais um abandono, que uma dor de quem sente falta do outro propriamente. É claro, que essa é uma opinião particular. Eu queria ler um livro intenso emocionalmente e O Obsceno Abandono revelou-se um livro visceral, no sentido cru da palavra: forte, aberto, sincero, doído. Um soco no estômago. Isso não faz dele uma obra ruim, pelo contrário, é muito bom. A Marilene conseguiu o que se propôs a fazer; e se aquela dor vazia, sem rima, que se expressou em mim ao fim do livro, não foi fruto da minha expectativa frustrada e sim a dor real da personagem, ela está de parabéns.