Uma menina nasce em Paris, mais especificamente em Montmartre, tem pai médico e mãe professora. Mesmo morando sob o mesmo teto, o único contato desta criança com o pai era nas consultas médicas que ele fazia – lhe esporadicamente.

Nestes momentos, a emoção da menina por estar junto ao pai era tão grande, que seu coração saltitava; o que fez o pai crer que ela sofria de algum tipo de doença cardíaca, e a impediu de ir a escola. Sua mãe foi sua professora.
Sem vínculos com um convívio social normal, a menina cresceu apenas freqüentando os jardins da casa, e só teve um maior contato com o pai após a morte da mãe.
E assim sua vida foi passando; até o dia em que ela encontrou uma caixinha escondida em uma pequena passagem que ficava na parede do seu quarto. Na caixinha havia alguns pertences de um garoto que morara ali há 50 anos e uma foto.
A menina decidiu que, se conseguisse encontrar o dono daquela caixinha, iria passar o resto da sua vida ajudando as pessoas. E assim aconteceu. A partir daquela data, ela começou a ajudar as pessoas a organizar suas vidas. Mas quem iria ajudá – la a organizar a sua própria vida?
Essa pergunta foi feita pelo senhor Duffayel, o “Homem de Vidro”, à Amelie Polain, personagem de Audrey Tautou, em “O Fabuloso Destino de Amelie Polain” - que até esse momento (01:05) ainda não ganhou uma estatueta do Oscar sequer; mesmo sendo o melhor filme que eu já vi na minha vida.
Amelie me foi indicado por alguns amigos. Eles sempre chegavam até mim dizendo: “O filme é ótimo”, “Vá ver, ele é a sua cara, eu tenho certeza que você vai gostar”.
Mesmo passando por todo esse processo de assimilação da idéia de que eu iria gostar do filme, nada se comparou ao que eu senti nas mais de duas horas em que fiquei sentada no cinema diante de “Le Fabuleux Destín D´Amélíe Polain”.
Os detalhes dos personagens - Amelie gosta de jogar pedras no Canal San Martin e de quebrar a casca do doce com a colher – são a alma do filme. O foco dado àquelas manias, que nos diferenciam dos outros seres viventes, torna o filme singular.

O jogo de cores. Os tons de verde e vermelho são usados de forma antagônica. O uso do verde indica que o personagem não está bem, está triste ou passando por uma má fase e o uso do vermelho indica o oposto, que ele está em uma boa fase, ou sendo amado.
Interessante também é como é abordada a questão da relação do ser humano com a sociedade, dependendo do tipo de criação que se tem. Amelie conseguia resolver os problemas de todos, pois estava em um plano em que ela tinha total controle sobre os acontecimentos, eles não envolviam suas próprias emoções e seu destino. Porém, quando ela se via em situações que diziam respeito à si mesma, ela arrumava uma desculpa para fugir. Neste aspecto, o personagem Duffayel é fundamental, ele faz o papel da “mãe” que Amelie não teve, da fada madrinha, do psicólogo, do amigo que “alerta”, ou da bola de chumbo que de vez em quando precisa ser amarrada no nosso pé, pra fazer com que a gente se fixe no chão e encare a realidade.
Além disso, Amelie é o tipo de filme que desperta os sentidos. Eu me senti carregada para dentro da tela; e passei a experimentar o cheiro dos lugares, o gosto das comidas, a sensação prazerosa (ou não) de cada ambiente. Se Amelie ria, eu ria junto. Se ela ficava triste, estava lá eu compartilhando de sua dor.
Creio que ontem, todos os presentes, sentiram - se muito próximos de Amelie Polain, pois a identificação com o filme é imediata. E se o expectador é o tipo de pessoa que consegue resolver a vida de todo mundo, menos a sua própria vida, sai do cinema com duas sensações: a de que já viu esse filme antes e a de que existe esperança de que ele tenha um final feliz.