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domingo, junho 02, 2002

Mudaram as Estações

Acredito que em toda fase de transformação a gente tende a lembrar dos nossos momentos de felicidade e de tristeza. Esses dias, em que eu vi a minha única verdadeira turma de amigos reais se dissolver, as lembranças de como tudo começou (e terminou) não me abandonam um segundo sequer.

Estávamos em 1994. Vem-me à mente, a clara imagem de uma menina um pouco mais baixa que eu, de pele branca, cabelos lisos e bem pretos e com um pique fora do comum. Era Juliana Vilar. Nos conhecemos na recepção do meu novo curso e ela me explicava calmamente como funcionava o clube de jornalismo, enquanto eu não acreditava que aquela menina, apenas três anos mais velha que eu, já era professora. E esse foi meu ponto de partida para algo que mudaria a minha vida.

Nos reuníamos todas as sextas – feiras, havia um grupo pela manhã e outro à tarde, e quando dava pra faltar à escola eu ia às duas reuniões. No primeiro, eu conheci Guilherme, Joana, Íris, Juliana Lacerda, Fernanda, Rafael, Bárbara e os americanos Bruce e Steve. Juliana, na primeira reunião, se apressou em me mostrar a primeira edição do What´s Up?que estava para ser finalizada.



O What´s Up? era um jornalzinho escrito pelos alunos, que visava, “teoricamente”, colocar os demais estudantes em contato com o que acontecia no mundo e enfocar as atividades do curso em que nós estudávamos. Por problemas internos, que depois se tornaram constantes, saiu apenas uma edição no período de um ano.
Aos 18 anos fui prestar vestibular em São Paulo. O sonho da minha vida era estudar Engenharia Civil na UNICAMP. E se eu estivesse lá provavelmente não teria desistido do curso. Quando eu retornei à minha casa, depois de uma experiência traumatizante, encontrei Juliana no pé do altar. Não acreditei. No pé do altar e com passagem comprada para ir morar nos EUA. Pensei: “É o fim”. E quase foi. Passamos seis meses parados. Um dia nos chamaram de volta, só que não havia ninguém para assumir o grupo, então ficou decidido que um jornalista contratado assumiria a coordenação do grupo.

Lembro como hoje, o nome dele era Sérgio Miguel, um cara super simpático, que via o nosso esforço semanal, e que foi demitido do cargo por apoiar os anseios do grupo. Por que? Por que a segunda edição demorou quase seis meses pra sair. Todas as vezes que era para ser aprovada, tinha um problema, e o que carregou o segundo exemplar até quase o Natal foi a criação de uma logomarca que representasse o jornal, era tanta burocracia, que quando finalmente saiu, ao contrário de ficar feliz, eu sentei e chorei durante um tempão no banheiro da minha casa, de tanto stress.

Mas essa foi a época em que tudo efetivamente sedimentou. Entraram no grupo Cristiano, Zé Augusto, Renata , Yara , Isabela Lins, Aydano, Rafaella, Mariane – que estava voltando ao grupo, e foi quando nós conhecemos Filipe. Ele voltara dos EUA, depois de mais uma sessão de tratamento para combater a leucemia, e era agitadíssimo, ninguém conseguia conter o garoto, ele andava apaixonado por Prodigy e Chemical Brothers e dividia com Cristiano a paixão pelas bandas. Lembro inclusive que havia pedido a Cristiano o CD para copiar e ele me chegou com uma fita gravada na reunião seguinte. Eu ri muito com o cuidado dele, mas anos depois eu descontei, passei quase seis meses com dois CD´s dele do Morphine, ehehe. E eu dizia “Cris, estão comigo” e ele retrucava “Não estão”. E eu dizia “Checa, então”.

E foi aí em que a gente começou a perceber que a nossa sintonia era muito maior que a função de estar cobrindo os eventos do curso. Nossa afinidade era tão grande, que uma vez nos reunimos em uma das salas claustrofóbicas, de tão pequenas, às 14:00 para discutir o fenômeno do pagode e terminamos a conversa em Frei Caneca, às 18:00, quando Zé Augusto e mais algumas pessoas estavam prontas para receber o resultado do vestibular. Lembro que vim pra casa rezando para que o meu novo amigo passasse, e quando cheguei em casa ele havia ligado dizendo que já estava de cabeça raspada.
No ano mesmo ano, Isabela Lins nos deixaria para fazer intercâmbio nos EUA, e Aydano na Holanda. No ano seguinte entrariam Isabella, que nem sabia o que era email na vida; Kerma, que a gente nunca sabia quando estava na terra ou em marte; Ana Carina, Leon e Mikeline. Além dos agregados (Kiko, irmão de Zé Augusto; Paulo, amigo de Cristiano e Larissa, amiga - grude de Bárbara). Esse grupo consolidou – se e foi assim até o fim.



O What´s Up sofreu mudanças catastróficas. Passou de um jornal feito em papel couchê e impresso em gráfica, para uma versão xerocada em “letter”. Digamos que nessa fase os atritos que viriam a acabar com o grupo em 1999 começaram. O pessoal, com toda razão, simplesmente não aceitava que o nível da publicação tivesse baixado tanto. Uma boa parte do grupo nem considera esse número do jornal como oficial. As edições seguintes melhoraram no formato, voltaram a ser impressas em gráfica, mas em off – set e preto e branco. Decidimos que continuaríamos desse jeito.

Mas a filosofia dos membros do clube já começava a bater de frente com a filosofia de quem bancava o projeto. E como as pessoas do grupo não eram do tipo de concordavam com a frase “Quem paga é quem manda”, a coisa começou a ficar esquisita.
Contrataram um novo jornalista, que na primeira edição desagradou a todos. Ele reescreveu os textos, e colocou na edição uma sessão de “torpedinhos do coração”, que uma das pessoas da coordenação tanto queria e que o grupo abominava. Alguns alunos até fizeram piadinha no corredor conosco, dizendo algo do tipo: “Que mudança é essa? Virou Capricho?”.

Pra nós, que queríamos colocar o pessoal pra ler e pensar sobre o mundo, um jornal com “torpedinhos do coração” era o mesmo que um soco no estômago. Quem mais sofreu foi Zé Augusto, ele tinha feito uma bela matéria sobre colecionadores, mas não quis enfocar a filatelia, e o recém – contratado refez tudo baseado apenas em filatelia. Se os olhos de Zé Augusto soltassem raios mortais, o dublê de jornalista estaria, certamente, reescrevendo as histórias dos outros no céu (ou no inferno).

As edições seguintes saíram na base da pressão mesmo. Quanto mais o clube, como instituição, caminhava para o fim, devido as intermináveis brigas com a coordenação, mais a união dos membros se consolidava, mostrando que a gente não tinha se conhecido por acaso. Até os novos membros, Guilherme e Fernandinha, que entraram no fim da nossa jornada, entenderam e se encaixaram ao perfil do grupo.

Confesso, inclusive, que minha personalidade forte serviu como catalisador no processo de aceleração do fim do grupo. Eu estava decidida a defender o projeto que me fazia pegar dois ônibus e gastar quase 1 hora e meia de casa até o curso, de todo jeito. E não levava desaforo pra casa. Era na base do “prometeu, tem que cumprir”. E lembro que todas as vezes que eu ouvia gritos de “Somos nós quem banca o projeto”, sem nem pestanejar eu emendava “Mas quem trabalha aqui de graça somos nós. E a edição vai sair sim!”. Mais tarde isso me custou um emprego. Mas não me arrependo. Na época eu não tinha um computador, nem maiores condições.



Se isso acontecesse hoje, eu nem gastaria meu tempo discutindo, chamaria o pessoal para tentar o mesmo projeto por nós mesmos. Além do que você amadurece e percebe que existem pessoas no mundo com quem não vale a pena perder a cabeça.

Mas quando tudo acabou (de forma bem covarde até, extinguiram tudo sem que a gente soubesse), eu lembro de Isabella tendo calafrios cada vez que eu alguém me perguntava “E o grupo?” e eu respondia “Fomos abortados!”.

E um belo dia, sentadas no quarto dela, criamos o que viria a ser o nosso apogeu como amigos e hoje em dia o nosso fim como grupo. O Atalaia.
Atalaia é uma palavra indígena, que significa vigia, sentinela, o ponto mais alto, de onde se vê todo o resto. E o Atalaia se propunha a ser uma home page de cultura. Tinha até um manifesto escrito por Cristiano, uma das coisas mais belas que eu já vi. E nesta nova fase da nossa aventura, como não estávamos vinculados a ninguém, nos demos ao luxo de chamar nossos amigos mais chegados como Fernando, Maisa e Carol IV, para integrar essa odisséia, que é claro, nunca saiu do papel, mas que culminou em longos anos de discussão na lista do grupo e no chat e que, salvo algumas raras pessoas, foram abertos a tanta gente que não tinha nada a ver com o objetivo, que o grupo acabou implodindo.

As pessoas seguiram suas vidas, e o projeto ficou em último plano na vida de quase todas elas, exceto na de Isabella e na minha, não só por que a gente criou a continuação dessa história. Mas por que o grupo de jornalismo e o Atalaia mudaram significativamente os nossos planos profissionais. Isabella, com um ano de grupo, desistiu do vestibular para Medicina para ser jornalista. E eu acabo de deixar seis anos dedicados aos números, no curso de Engenharia, para seguir o mesmo caminho.

E de todas as pessoas que passaram por ambos os grupos, a maioria hoje em dia ou estuda jornalismo ou pratica de forma amadora. E é fato, que, nesse caso, nossos sonhos adolescentes não foram em vão e muito menos refletiam algo inatingível. Mesmo sabendo que nossos objetivos de vida não mais coincidem, e que as pessoas não dividem mais o mesmo espaço para falar de pagode à Frei Caneca, nem para lembrar do nosso amado amigo Filipe, que se foi há quase 2 anos de leucemia, sabemos que boa parte do que somos hoje foi solidificado durante todos esses anos juntos. E com a companhia do pessoal que entrou depois como Paulo, Dani, Iya, Beta, que chegaram a figurar nos nossos projetos secundários como o clube de leitura, e Fabio que hoje toca na banda dos meninos, a ZeNumKé. Diga – se de passagem, que é uma banda de rock.

Eu sentirei muita falta desse pessoal junto. Eles sabem disso mais do que ninguém...Mas como dizia Renato Russo – pra agonia de Cristiano:

Se lembra quando a gente / chegou um dia a acreditar / que tudo era pra sempre / sem saber / que o pra sempre / sempre acaba”.

Não digo Adeus, mas sim, a gente se vê por aí amigos!



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