O dia em que a ficha caiu...
Mudar. Quando penso nesta palavra nunca sei se a reação será de esperança ou de medo. Ontem senti calafrios. Arrumava as coisas quando encontrei o fichário que usava na faculdade de engenharia. Novinho. As folhas marcavam meus poucos e últimos dias de aula. A época em que tomei coragem para desistir e fazer o que achava ser o certo.
Estremeci quando vi as anotações, programas de disciplina, primeiras provas. Não senti arrependimento. Mas a ficha caiu. Entendi a dimensão da decisão que tomei naquele dado momento. Compreendi o silêncio de meu pai, o choque dos conhecidos, a surpresa de minha mãe e a descrença de muitos no meu futuro profissional.
Este é incerto, realmente. Desistir de engenharia para estudar jornalismo é, segundo alguns, uma atitude kamikaze. Não duvido. Mas a sensação de estar estudando algo com real aplicabilidade é indescritível. Não sentir mais aquela sensação de impotência perante a falsa construção de conhecimento que permeia grande parte das faculdades de engenharia, onde a maioria dos alunos decora uma quantidade “x” de exercícios necessários para passar nas provas, mas não consegue desenvolver um raciocínio lógico que os torne capacitados para resolver a diversidade de problemas existentes em sua área. Estudam – se os casos clássicos e o restante “o computador resolve”.
Lembro – me bem de minha última aula: álgebra linear. Olhava o quadro, copiava, olhava o quadro, copiava. Parei. Perguntei – me: o que é isto que estou copiando? Estou entendendo? Sem olhar o livro eu saberia desenvolver este problema? Qual o objetivo desta disciplina? Em que ela pode me ajudar a ser uma boa profissional?
Dei – me conta que as respostas eram negativas ou indefinidas. Não achei meu caminho. Nunca mais voltei as aulas. Gosto de estudar as coisas vagarosamente. Não pretendo me desfazer dos livros de física e química. Gosto disso. Mas gosto no meu tempo. No meu ritmo. E jornalista pode estudar fenômenos físicos e químicos.
Na verdade, jornalista pode estudar qualquer coisa. Por isso decidi por esta profissão. Gosto da diversidade, da aventura do processo de conhecimento, do leque infinito de possibilidades. Mesmo que não tenha emprego para mim, que só me reste esta casinha branca de varanda com a janela virada para o nascer do sol saberei que, após seis anos de cálculos e um surto de consciência, fiz a escolha certa.