Passadas duas décadas e meia de sua morte, os textos da escritora Clarice Lispector ainda encantam leitores e críticos por sua sensibilidade e perfeita construção. Em homenagem a escritora, a editora Rocco acaba de lançar Correspondências. Uma seleção de 129 cartas, organizadas por Teresa Montero, trocadas durante quase quarenta anos entre Clarice e seus familiares, amigos e o primeiro marido Maury Gurgel Valente.

O livro é uma excelente oportunidade para conhecer um pouco da vida da autora de A Hora da Estrela e descobrir que, por trás de todo o ar de mistério que diziam envolvê – la, havia um ser humano como qualquer outro.
A respeito do livro Correspondências há uma matéria publicada no JB Online, intitulada Da Deusa Para o Ratinho
Eu confesso que fiquei um pouco incomodada com a matéria. Não, ela não está mal escrita. Ela está bem escrita. Mas ela traz intrínseca uma conotação diminutiva com relação ao lado humano da autora. A articulista coloca que um dos pontos negativos do livro é revelar o lado “mulherzinha” de Lispector. É que em uma das cartas, Clarice escreve ao então namorado Maury ou seu “ratinho curioso”:
''Tinha vontade de fazer um embrulho de mim, com papel de seda, lacinho de fita, e mandá-lo para você. Aceita?''
Fiquei me perguntando que mal pode haver em uma mulher, apenas porque ela quer dar – se embrulhadinha para presente com direito a laço e fitinha ao seu amado? Isso a diminui como escritora? Isso a diminui como ser humano? Não creio. Acredito, porém, que o ser humano tem uma tendência muito forte de mitificar outros seres humanos, quando estes realizam feitos que parecem ser extraordinários, como escrever um bom livro. O ser humano costuma esquecer, nestes momentos, que cada um de nós na face da terra tem uma qualidade, desde o escritor até o marceneiro. O homem que transforma madeira em camas, armários e cadeiras não é menos capaz do que aquele que é glorificado por ter escrito um belo poema.
Mas o ser humano continua criando “mitos” e continua decepcionando – se quando descobre que o seu mito é como ele mesmo: humano. Possui qualidades e defeitos, pode compor uma bela música e colocar o cotovelo em cima da mesa, pode escrever livros misteriosos e cair de amor da forma mais brega possível pelo ser amado, pode esculpir uma figura perfeita e bater na mulher, pode ser o mais santo dos católicos e ter renegado o amor de sua vida em favor da razão...
Clarice Lispector era uma escritora excepcional, mas não deixou de ser humana por causa disso, e creio que a sua humanidade latente tenha sido o fator primordial da qualidade de sua obra.
As obras de Lispector lançadas postumamente são:
Para não Esquecer (1978);
Quase de Verdade (1978);
Um Sopro de Vida (1978);
A Bela e a Fera (1979);
A Descoberta do Mundo (1984);
Como Nasceram as Estrelas (1987).
Correspondências (2002).
P.S – Gostaria apenas de acrescentar que nada tenho contra a articulista do JB e o seu posicionamento. Ela colocou muito bem sua opinião a respeito do livro, embora eu não concorde com a mesma.