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domingo, dezembro 22, 2002

Lembranças atrás dos títulos...

Ontem foi o encerramento do segundo semestre da oficina de literatura. As aulas só retornam dia 14 de Janeiro e sei que definitivamente terei saudade da turma. Já estou sentindo. O enriquecimento humano daquele ambiente é muito forte. Ontem, na festa, acredito que tinham apenas sete pessoas com idade abaixo de trinta anos, contando comigo. No entanto, foi umas das melhores festas em que eu já estive. Sinto um prazer imenso e ver aqueles senhores e senhoras contando suas experiências de vida, e fico quietinha, ouvindo tudo encantada. A um dado momento da festa descubro que um dos meus colegas de turma, Paulo Gama, era autor de uma das músicas de carnaval que eu adorava, que meus pais cantavam muito junto comigo durante o Galo da Madrugada: o Frevo do Galo

"vem, vem meninada / vem conhecer o galo da madrugada"

Na mesma mesa estava Paulo Caldas, o primeiro autor de livros infantis que eu conheci durante as visitas que eu fiz a sessão infantil da Biblioteca Pública Estadual. Até o dia em que meu pai foi informado que eu havia crescido demais e não poderia mais freqüentar o local. Chorei muito naquele dia. Paulo Caldas escreveu Esses Bichos Maravilhosos e suas Incríveis Aventuras. Eu adorava a estória e fazia minha mãe contar o livro inteiro todas as noites. Eu ria muito e acabava dormindo feliz imaginando as cenas retratadas no livro. Lembro de ter passado o caminho todo brigando com meu pai que queria guardar o livro enquanto eu segurava – o firmemente junto ao peito, como se cada letrinha daquela obra me pertencesse e de ter chegado em casa abraçada ao livro e ter dito a minha mãe: “Mainha, ele me deu um autógrafo”. Ela sorriu, enquanto eu, com meu ar triunfantemente infantil exibia meu primeiro autógrafo de um escritor. Foi um dia muito feliz na minha vida de pequena leitora.

Também encontrei Lucio Ferreira, que foi meu aluno há mais de um ano. Ele é poeta e escreve coisas tão belas. Ele me presenteou com três de suas obras no período em que ensinava inglês. O mais legal é que ele tem 72 anos e me diz sempre que o vejo: “Ana, eu gosto muito de você. Você é uma grande amiga!”. Eu fico tão feliz, tão lisonjeada em saber que alguém com uma experiência de vida tão grande, me olha e diz que me considera sua amiga. Ontem ele me cobrou a visita que eu prometi fazer a ele e a sua esposa e não fiz ainda. Um poeminha dele:

A gota caída
Na folha vermelha
Orvalho do tempo
Regando o passado
A bica e o porvir
À espera do barco
À espera das horas
Na planta do mar
Enquanto eu e tu
Fazemos a praia


("A Praia do Tempo" - Um olhar para cada coisa – UBE PE – 1999)

Por último conheci a escritora Djanira Silva. Meu pai já havia falado muito dela, mas nunca havia tomado contato com nada do que ela havia produzido. Durante a hora em que ela falou as lágrimas tomaram os meus olhos, não de tristeza, mas de alegria, nunca ri tanto na vida com ela contando as coisas de sua própria vida. Se eu fosse usar a língua da cidade onde nasci para definí – la, diria: “Eita mulher arretada!”.

Mas este post não foi escrito para dizer que eu estive em uma festa com escritores e compositores e sim para testemunhar que estas pessoas são tão comuns quanto nós. Encontrar pessoas que permearam as histórias da minha infância e que eu só conhecia através de suas obras tem sido uma experiência extremamente interessante porque é possível ver até que ponto é criado o “mito” do escritor e do compositor e se ele corresponde à realidade. Geralmente não corresponde. É muito melhor conhecer as pessoas que seus mitos. Os mitos geralmente são reflexos do que o público atribui aos seus “ídolos”, como disse antes no post da Clarice Lispector. E o processo de mitificação tira um pouco do brilho de descobrir como a pessoa é realmente. E o melhor disso tudo é que eu sempre acabo aprendendo coisas sobre o passado de Recife, sobre outros escritores e compositores brasileiros, sobre como era a vida há 30, 40 anos atrás. Tudo isso através das conversas e relatos que eles fazem de suas experiências de vida. Além do que eles adoram serenata e cantaram coisas belas que me fizeram lembrar de quando a minha mãe, para amenizar minha angústia em ter que aprender a lavar pratos, cantava comigo as músicas que o pai dela a ensinara. Tem uma música de Waldik Soriano, Tortura de Amor, que ela cantava muito. Quem vê esta letra, tão popular entre os seresteiros do país não acredita que ela foi composta pelo mesmo senhor, que nos mais tarde faria algo como Eu não sou cachorro, não
O que o mercado fonográfico não faz...

Tortura de amor
Waldik Soriano, do disco "O Quinze"

Hoje que a noite está calma
E que minh'alma esperava por ti
Apareceste afinal
Torturando este ser que te adora
Volta
Fica comigo só mais uma noite
Quero viver junto a ti
Volta, meu amor
Fica comigo, não me desprezes
A noite é nossa
O meu amor pertence a ti
Hoje eu quero paz
Quero ternura em nossas vidas
Quero viver por toda a vida
Pensando em ti