Amores pequeninos...
Acordei às 12:30 com Fael berrando do outro lado da rua “não fui eu, não fui eu”. Eu não consigo deixar de sentir muito por ele, embora não possa fazer nada. Se eu reclamar, as tias dele me engolem viva. Fael tem uma prima – irmã (é que o pai dele é o pai dela, mas eles são filhos de mães diferentes, que são irmãs. Pense no rolo!) que é uma verdadeira pestinha. A menina apronta e coloca a culpa nele. E ele costuma agüentar os castigos calado, para não deixar a “irmãzinha” em maus lençóis.
Mas Fael não é de todo um anjo. Ele já jogou meu gato preto, quando este tinha três meses, por cima do muro da Telemar. Eu fiz com que ele e os amiguinhos catassem o bichano às 23:00 até acharem. O gato sumiu três anos depois. Mas ele já vinha doente e a veterinária quase o matou. Acho que ele quis morrer longe. Um dia chegou em casa, comeu bastante, correu para o lado da casa e eu fui atrás. Ele parou, me olhou, olhou, olhou e virou – se em direção à rua. Fiz menção de ir atrás sentindo que havia algo diferente com o gato. Fiquei. Ele nunca mais voltou.
Mas a história era Fael. Ele tem uns onze anos hoje em dia. Quando eu o ensinava ele tinha oito. Um dia ele cismou que me amava. Todos os dias ele tomava banho às cinco horas da tarde e ficava sentado na porta da minha casa esperando que eu chegasse. Detalhe: ele tinha aula comigo todos os dias às duas. Depois eu ia pro inglês. Acho que ele se afeiçoou por eu tratar sempre bem os meus alunos, incentivá–los a ler, dar livros de presente, perguntar como eles estão, conversar, estas coisas. Mas o menino criou um amor infantil, e eu quase entrei em pânico. Confesso que eu não soube administrar muito bem aquilo, por que eu fui tomada de assalto. Eu tinha vinte e um anos e aquilo foi uma bomba na minha cabeça.
A história virou motivo de risadinhas aqui em casa. Quando eu não estava ele ficava com a minha mãe até eu chegar e não tinha quem o fizesse ir para casa. Uma vez ele teve uma crise de ciúme. Um amigo veio me procurar aqui em casa, e ele estava sentado na porta da casa dele. Quando o rapaz chamou meu nome ele gritou: “ela saiu”. Eu estava cochilando na sala. Acordei com cara de bolachão e mandei meu amigo entrar. Dois minutos depois ele entra pela grade e se senta no sofá perto do meu amigo e ficou até o garoto sair. Eu fiquei sem ação.
Foi quando um outro colega meu descobriu o assunto por meio das minhas irmãs. Chegou até minha casa e chamou. Ele correu e disse “ela não está”. Meu amigo perguntou “Quem é você?” e ele respondeu “eu moro alí na frente e quem é você”. Meu amigo vai e solta esta pérola: “eu sou namorado dela”. Foi uma tempestade o que se seguiu. O menino ficou o resto da tarde me esperando na porta de casa. Quando cheguei ele me perguntou “o rapaz que disse que é seu namorado está mentindo, não é?”.
Eu nem sabia quem era que tinha dito. Vi os olhos do menino encherem de lágrimas e eu quase morri junto. Acho que foi a primeira vez que eu precisei colocar os pingos nos iis com um menino de oito anos de idade. Eu disse a ele que não tinha namorado, mas ele não podia ficar me vigiando daquele jeito. Que eu seria “tia” dele por muito tempo. Que ele podia me visitar sempre que quisesse, mas que ele precisava entender que ele tinha oito anos e eu tinha vinte e um e que um dia, fatalmente, eu poderia ter um namorado. Da mesma forma que ele ia ter namoradas quando crescesse.
Acho que ele entendeu bem a situação. Nunca mais ficou vigiando, nem interpelando as pessoas. Mas eu precisei ter muita cautela nos meses que se seguiram. Depois, pensando bem, eu vi que ele estava com medo era de perder minha atenção, já que em casa ele só leva gritos. No mesmo dia eu descobri o autor da brincadeira, que ainda entrou lá em casa debochando do menino, que ainda estava lá. Tratei de desfazer o mal entendido.
Não se deve magoar uma criança por nada neste mundo.