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sábado, janeiro 18, 2003

A arte de imitar a vida...

Recebi hoje uma frase de João Cabral de Melo Neto que dizia assim: “bela porque é uma porta abrindo – se em mais saídas”. Esta frase me fez lembrar um projeto que está a acontecer em Recife chamado Janeiro de Grandes Espetáculos. Durante trinta dias, várias peças de teatro, de vários locais do estado, tomarão os palcos dos teatros Santa Isabel, Parque, Armazém e Arraial.

O espetáculo que assisti hoje chama – se A Inconveniência de Ter Coragem. O texto é de Ariano Suassuna e foi representado por um grupo de atores da cidade de Limoeiro, no interior do estado. O texto trata do provérbio “o mundo é dos mais espertos”, e conta a história de Benedito, um rapaz que apaixona – se perdidamente pela melindrosa Marieta e para provar sua valentia arma uma trama, junto com seu amigo Pedro, para desmoralizar os dois outros pretendentes da moça, o Sargento “Rosinha” Gurgel e o Fazendeiro Vicentão “Borbotões”, e casar – se com ela.



Durante a explanação do plano para Pedro, Benedito confessa que todas as vezes que ele planeja algo a favor de si mesmo, acontece algum imprevisto para o plano dar errado. Mas o rapaz botava fé que desta vez seria realmente diferente. Trama armada, dá – se início ao hilário episódio de desmoralização, que finda – se com os dois valentões tremendo ajoelhados em frente à capela abrindo mão do amor da prezada senhorita. Benedito trata de despachar os dois covardes, sob a ameaça de espalhar o acontecido pela cidade, e parte em busca de sua amada, que deixou sob a tutela de seu amigo durante a prova de valentia. Acontece que o seu camarada havia sido noivo da dita cuja e a abandonou anos atrás, e durante o tempo em que estivera “cuidando” da coitadinha, eles acabaram se reconciliando e o pobre Benedito, depois de arriscar a própria vida para mostrar à donzela que era o homem que ela esperava, acabou de mãos abanando.

A estória é simples. O que eleva o espetáculo a um lugar no olimpo, se assim podemos dizer, é a qualidade com que ele foi produzido e encenado. Ocorre no palco uma transgressão de barreiras. Deveria ser uma apresentação de mamulengos – que são aqueles bonequinhos de teatro para crianças que as pessoas colocam as mãos dentro – mas os atores encarnaram no palco o papel de seus respectivos bonecos. Isso exigiu um trabalho notável de expressão corporal e vocal que todo o grupo executou com uma perfeição que deixou a platéia maravilhada.

Foi um trabalho que demonstrou ter sido feito com muito profissionalismo e dedicação, que merecia mais do que aplausos de uma platéia de 200 pessoas, mas que poderia ter ficado restrito ao interior, se não houvesse pessoas na capital que acreditassem que teatro vale a pena. Acho que foi isso que os organizadores do Janeiro de Grandes Espetáculos fizeram, abriram uma porta que pode levar a muitas saídas para os diversos grupos que durante este período se aventuram pelos palcos do Recife. Eu espero que pessoas de outros estados, que estejam aqui durante este mês, vejam estes espetáculos e que outras iniciativas deste porte no resto do País sejam vitoriosas para que o teatro, que é feito com amor e com bravura no Brasil, consiga ter um final melhor que o do nosso amigo Benedito.