Sem acidez...
Tudo bem. Sem acidez hoje. Sem reclamações sobre guerra, sem choramingos a respeito de amigos que se vão, sem medos de mendigos alucinantemente sorridentes, sem referências a corações solitários, sem puxões de orelha nos meus amigos paulistas que perguntam se eu moro no norte, sem lembranças de pessoas que me fizeram mal. Encerram-se as conversas sobre estes assuntos pelo menos por um tempo.
O motivo desta censura prévia a mim mesma é que de má notícias os jornais estão cheios, e como não quero morrer de gastrite nervosa, começo neste momento a diluir a acidez deste mar que me carrega vida à frente. Vamos pensar em coisas boas pelo menos um minuto. Ouvir coisas calmas, melodiosas, que acalmem o espírito. Alguém já ouviu Goldfrapp? A melodia deixa dá uma sensação boa de lentidão. A voz da Alison Goldfrapp é pacificadora. Nada melhor, no momento.
Até nas leituras o espírito de “não perturbe” está presente. Depois de ler o romance de Ismail Kadaré, Abril Despedaçado (que não é igual ao filme), e quase morrer com o choro preso (esse papo fica para outro momento), decidi ler o que as pessoas chamam de “entre livros”. Antes de partir para a Inglaterra, Pérola me deixou Alta Fidelidade, de Nick Hornby. Foi o que escolhi para ler estes dias. Um livro cujo filme eu já vi, que não tem uma linguagem muito difícil, não tem teorias filosóficas (como o do Derrida, que eu falo depois também), não me deixa com a cabeça doendo e nem exige que todos os meus neurônios trabalhem exaustivamente para entender o que o autor quer dizer. Por sinal, alguém tem sugestões de livros para me dar?
Eu fui puxada para o mundo de Caio Fernando de Abreu pelo Marcelo com o conto "Retratos" e acabei puxando uma colega de sala (Larissa), que anda amando o cara, leu dois livros da biblioteca, comprou outro, quer fazer um trabalho de teoria da comunicação sobre pós-modernismo (ou pós-estruturalismo, neo-estruturalismo, como queiram) com textos dele, e por aí vai...
Queria ler o livro de cartas dele, mas prometi a mim mesma que até ler Cartas Perto do Coração (Clarice Lispector & Fernando Sabino), O Obsceno Abandono (Marilene Felinto) e terminar Correspondências, da Clarice Lispector, eu não compraria livros (mas quero as sugestões, lógico!).
Falar em Correspondências, li a Renata dizendo que depois que leu o livro ficou com vontade de escrever cartas. Eu estava comentando semana passada que quando você lê um livro de cartas de alguém, parece que aquilo te estimula. Algumas pessoas que não escreviam cartas têm vontade; e outras que já escreviam, de repente, sentem sua maneira de expressão mudar um pouco. É claro que isso não é unanimidade. Mas Larissa concordou que algo muda. Na verdade ela disse “muda totalmente”.
No meu caso não poderia mudar totalmente, porque eu já sou muito eloqüente escrevendo cartas. Quem não gosta de ler, por favor, nem me dê o endereço. Já escrevi cartas de vinte e oito páginas, durante um período sem aulas, onde eu acordava para escrever e parava de escrever apenas para descansar. Foi uma das melhores coisas que eu fiz em vida. Eu ando com envelope e papel de carta na bolsa. Escrevo cartas nas aulas que eu não gosto, quando paro para comer em algum lugar, nos intervalos de estudo.
Cada pessoa pra quem escrevo me inspira assuntos diferentes...é engraçado isso. Algumas pessoas simplesmente me fazem abrir o coração e escrever, escrever, escrever. Outras acabam por restringir meus pensamentos aos assuntos cotidianos e eu não imagino a reação delas se recebessem uma carta minha falando de coisas muito íntimas ou teorizando sobre o mundo.
Estes dias recebi umas cartas muito legais. Tenho uma amiga que mora no interior de Sergipe. A menina me escreveu pela primeira vez quando tinha 13 anos e eu tinha 18. Hoje ela tem 20, ou seja, eu acompanhei a adolescência dela inteira. Como a cidade dela é muito pequena, e o acesso à informação é restrito, ela sempre me pedia pra mandar matérias de jornais e revistas para ela.
Nesta última carta, ela me pediu para responder um questionário que continham perguntas como: ator/atriz preferido, novela preferida. Eu respondi. Mas confesso que foi dificílimo pensar em atores que gosto, atrizes que gosto, homens que eu acho bonitos, mulheres que eu acho bonitas, o melhor filme que eu vi na vida, essas coisas. Sobre novelas, eu disse a ela que não vejo novelas.
Muitas pessoas achariam isso uma besteira para uma garota de vinte anos. Porém, é preciso considerar que a realidade no interior é diferente da realidade das grandes capitais. Não podemos julgar os outros através da nossa realidade. Ela comentava que na cidade dela estavam acontecendo até assassinatos. Quem mora em uma grande capital hoje em dia não pode nem sonhar em dizer isso...pois este tipo de violência hoje em dia é uma (infeliz) rotina.
Essa conversa ainda dá muito pano para manga, mas deixemos para depois...
Pensemos em coisas boas...