Palavras certas em ventos tortos...
Bom dia. Não sei para quem estou escrevendo. Não comecei esta carta pensando em um destinatário específico. Apenas comecei...Tracei algumas linhas antes destas, mas não gostei de suas formas, de seus conteúdos. Apaguei então. Recomeço outra vez...
Sinto-me hoje inspirada por algo que não sei de onde vem. Queria escrever uma longa carta, daquelas que libertam, que fazem todas as lágrimas descerem, todos os risos brotarem, todas as lembranças aflorarem, todas as esperanças renascerem, mesmo que sejam por motivos não cogitados até então. Estava cansada de passar o dia neste espaço, ouvindo a chuva cair pela janela e o vento cortar o meu corpo que mexe inquieto.
Os dedos doem um pouco, é verdade, cansados de tanto expressarem o que os lábios não conseguem dizer. Mas suas juntas doloridas se sustentam pela força do espírito. Vamos em frente... Hoje quis colocar os pés fora da ilha, atravessar o oceano e ver outros continentes. Não pude. Iria mais uma vez ficar como uma nuvem negra pairando no ar. Choramingando o que se chama destino. Decidi diluir o peso da nuvem e fiz chover. Choveram palavras. Cartas foram escritas. Trabalhos foram terminados. Atenções foram dadas. Discussões foram tidas. Mas tudo foi feito. Disciplina é liberdade. Sinto me livre, liberta, com uma carta de alforria nas mãos.
Estava carente de novas energias, de novos pensamentos, de novas opiniões. Procurei lugares desta ilha onde, até então, não havia estado e experimentei ventos vindos de outras direções. Eles me encantaram com suas poesias, seus pensamentos, seus sonhos que também são meus. Se um dia nos encontrarmos outra vez, terão eles realizados seus anseios e eu os meus? Não tenho certeza, porém seguimos nossos caminhos. Seguimos...
Algumas vezes obtemos da vida respostas não muito interessantes para nossos planos. Mas, de repente, mudar de caminho pode não ser tão doloroso assim, pode ser um alívio, um descanso, a fresta de luz que invade o quarto quando despertamos de um sonho ruim: era um sonho. E a vida nos espera, do lado de fora da cama, com seus caminhos que se alternam – ou se seguem – pedregosos ou macios. Que seja assim, então...
Terminei um livro. Comecei outro que dizem ser proibido para mulheres. O Obsceno Abandono. Fui tão incentivada a ler esta obra que comprei meses atrás, mas ainda não havia começado a leitura. Comecei hoje. É bom, mas queria algo mais visceral. Receitaram-me um porre. Não vou seguir o conselho. Gosto de sentir tudo lúcida, viva. Resultado de quem não pode tomar analgésicos e aprendeu a suportar a dor. Em todas as suas formas, tempos e texturas.
De novo as gotas de chuva cruzam a janela. Elas descem como metáfora da alma que clama...Não mais clama...sussurra...escreve...certo em linhas tortas. Que tortos sejam os ventos que me levam...vento...vento...vento...E os ventos me trazem estas palavras ao final destes escritos...
Uma ostra que não foi ferida não produz pérolas.