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terça-feira, abril 22, 2003

Uma boa descoberta de madrugada...

Não lembro bem a data de setembro que isso ocorreu. Era perto do aniversário de papai. Meu tio, sentado à mesa do almoço, comentou que havia sido lançado um disco com os maiores sucessos de um compositor baiano muito interessante, gravado por gente ilustre, pouco conhecido pelas gerações atuais e que atendia pelo nome de Gordurinha. No momento, não soube quem era, mas como havia a intenção de presentear meu pai com este disco, saí a procura da obra, que foi encontrada para a felicidade do meu velho.



Esqueci o disco durante todos esses meses. Domingo, porém, enjoada dos meus discos de música pop, fiz uma varredura na discoteca do meu pai e constatei que ele havia esquecido que ganhou o disco de presente de aniversário e comprou outro. Resultado: trouxe o Gordurinha pra casa e fiquei ouvindo durante a madrugada. Quando a primeira faixa tocou, eu me lembrei que já havia escutado algo daquele tipo antes. Lembrei-me, prontamente, de Jackson do Pandeiro, companheiro fiel dos almoços da família junto com Noite Ilustrada, Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, e também Bezerra da Silva e Zeca Pagodinho, quando os primos cariocas se faziam presentes.

Pois bem, Jackson do Pandeiro gravou e fez parcerias com Gordurinha, nascido Waldeck Artur Macêdo, em 10 de agosto de 1922, na Bahia. Um de seus maiores sucessos foi o bebop sampa “Chiclete com Banana”, gravado por Gilberto Gil em 1970. Gil voltou a render outra homenagem ao compositor baiano, quando em 1997, regravou “Vendedor de Carangueijo” no álbum Quanta. Esta canção também já foi gravada por Clara Nunes e Ary Lobo.



A vida artística de Gordurinha iniciou quando ele abandonou a possibilidade de ser médico deixando a Faculdade de Medicina de Salvador para seguir carreira. A sua primeira experiência foi como cantor do grupo “Caídos do Céu”, que se apresentava na Rádio Sociedade da Bahia. Depois como compositor, intérprete e humorista ele fez teatro e conseguiu contratos na Rádio Jornal do Commercio e na Rádio Tamandaré, em Pernambuco. Anos mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro, onde enfrentou uma fase árdua da carreira, que terminou coroada com sua contratação como humorista para a Radio Nacional – que na época era uma das grandes emissoras do país. Mais tarde ele atuou também na televisão e no cinema nacional.

Sete anos antes de falecer, Gordurinha resolveu colocar voz em suas próprias canções, das quais oito fazem parte do álbum que hoje se intitula A Bossa do Gordurinha. São doze músicas, porém quatro delas são homenagens que ele resolveu prestar a amigos seus: “Amor & Cia Ltda” (Anatalício Silva e José Gomes Sobrinho), “De trás pra frete” (Anatalício Silva e Severino Nascimento), “Jamais” (Geraldo Nunes) e “Sem Ninguém” (Geraldo Nunes e Milton Gomes). Em uma composição, o bossista baiano faz parceria com Santana na música “Quem é você”?



O disco é gostosíssimo de ouvir. Aquela bossinha simpática, com letras recheadas de bom humor e sarcasmo – uma das características do artista. O lançamento original foi pela RCA Victor (1962). A reedição foi feita por Charles Gavin, que tem se mostrado um verdadeiro pai, quando se trata de reeditar boas obras que estavam mofando nos catálogos das gravadoras – como o primeiro disco do mundo livre s/a Samba Esquema Noise.

Discografia:

- Em 78 rpm:

Oito da Conceição/Vendedor de caranguejo (1958) Continental
Baiano burro nasce morto/Sorvete com gelo (1959) Continental
Tenente Bezerra/A cadeia da vila (1959) Continental
Chiclete com banana/Baianada (1959) Continental
Não sou de nada/Eu preciso namorar (1960) Continental
Súplica cearense/Poeira de morte (1960) Continental
Mambo da cantareira/Deixa pra mim (1960) Continental
Marcha da cantareira/Meu tutu (1960) Continental
Bossa quase nova/Tô doido pra ficar maluco (1961) Continental
Copacabana-mambo/Já fui palhaço (1961) Continental
Meu amigo Oliveira/Praça do Ferreira (1961) Continental
Baiano não é palhaço/Carta de ABC (1962) RCA Victor
É um calo só/Aquarela do morro (1962) RCA Victor
Olha o rapa/Marcha do pescador (1962) Continental
O dono do circo/Meio termo (1962) Continental
Nordeste sangrento/50 megatons (1963) Copacabana

- Em LP:

Gordurinha tá na Praça (1960) Continental
Mamãe estou agradando (1961) Continental
A Bossa do Gordurinha (1962) RCA
Gordurinha (1969) Musicolor

- Em CD:

A Bossa do Gordurinha (1962) RCA
Confraria do Gordurinha (1999) Warner
Jackson do Pandeiro e Gordurinha (2000) Warner

Letra da primeira faixa do disco:

Baiano não é palhaço
Gordurinha - do LP A Bossa do Gordurinha

Sou filho da Bahia com muita alegria
Não interessa se o relógio já deu meio dia
Não falo fino nem ando me rebolando
Mas tem gente falando que eu não sou legal
Não faço ponto lá na Praça Tiradentes
Mesmo assim tem muita gente que ainda fala mal
Não pinto as unhas, nem falo com vedete
Mas estão pintando o sete, isto é uma verdade.
Quando o relógio está marcando meio dia
Quem é filho da Bahia tem que ouvir piada
Ai, ai, ai, ô, ô
Vou repetir que o Brasil
Foi descoberto na Bahia
E o resto é interior
Quando ligo a televisão
Tem sempre um palhaço pra meter o aço
Armando a lona, fabricando um picadeiro
E o baiano o dia inteiro bancando o palhaço
Até parece que estou n'outro país
Vê que piada infeliz inventaram agora:
"Ajude a manter a casa limpa
Matando um baiano por hora"