Ariano na Caros Amigos 2 e mais uns comentários...
Eu havia prometido falar mais sobre a entrevista de Ariano, na Caros amigos, então, aqui vamos nós. Convencionou-se chamar Ariano Suassuna de arcaico e radical por causa do ponto de vista dele a respeito da dominação cultural, especialmente americana. Quando ele foi capa da edição 20 da revista Continente Multicultural, a manchete de divulgação foi “Americano, nem o sanduíche”. Isso serviu como um prato cheio para aqueles que queriam estampar no escritor os rótulos citados acima.
Sinceramente, eu não vejo motivo para tanto rebuliço. Se Ariano falasse e não justificasse suas opiniões, eu até faria coro com essas pessoas, mas ele argumenta em cima das opiniões que dá e muita coisa eu acho interessante, mesmo que eu não concorde. Conheço bastante gente que saiu da Bienal da UNE, em fevereiro, reclamando da postura do escritor perante o rock. Ele disse que começa se escutando “música de guitarra” e termina se defendendo os ataques ao Iraque.
Não sei se as pessoas entenderam o que ele quis dizer com isso. Provavelmente não. O rebuliço causado neste momento foi tão grande que poucos escutaram o que vinha a seguir. Ele frisou que o problema não era o rock como estilo musical e sim o que havia por trás dele: a filosofia das gravadoras, a massificação, etc. Logo, o problema seria a ideologia inserida nos produtos culturais. Eles chegam até nós como entretenimento, mas embutido estaria toda uma maneira de pensar e agir de outra cultura, que de maneira indolor e quase imperceptível, teoricamente, acabaria por moldar o comportamento de quem está recebendo.
Nesta entrevista da Caros Amigos, ele esclarece melhor seu ponto de vista ao dizer que não tem nada contra o que vem de fora, desde que se aproveite isso de maneira saudável, citando, inclusive, a influência de Debussy na obra de Heitor Villa – Lobos. O autor de O Auto da Compadecida resume dizendo “Não tenho nada contra a inclusão do que venha de fora, desde que não seja uma inclinação subserviente”. Neste ponto, eu não só entendo como concordo com ele. Não é preciso substituir o que aqui é produzido pelo que vem de fora, apenas porque se tem a falsa ilusão de que tudo o que é externo é superior. O parâmetro não pode ser esse. É preciso filtrar as coisas e absorver o que de melhor é produzido nos outros países sem deixar de valorizar o que temos de bom aqui.
Ariano não gosta de rock. Eu gosto. Não vou deixar de ouvir REM, mas também não vou deixar de ir a um show de Mestre Salu ou comprar um disco de Siba porque eles são do mesmo estado que eu. Há quem ache Os Beatles a melhor banda do mundo e diga que Luiz Gonzaga é um lixo, que música nordestina não presta. Eu não estou nesse grupo. Gosto dos tios ingleses, de Ringo Star mais ainda, mas não tiro o Gonzagão da vitrola. Inclusive li um ensaio na Bravo! – mas esqueci o nome do autor – em que ele dizia que na Alemanha todos os discos do Rei do Baião você encontra facilmente e aqui no Brasil é uma batalha campal, porque muitos álbuns já estão fora de catálogo. Aqui eu faço coro com o autor do ensaio: é um absurdo!
Mas voltando a Ariano Suassuna, outro ponto da entrevista que chama atenção é quando ele comenta que, embora a auto-estima pernambucana tenha sido levantada com Chico Science, ele discordava da concessão que o compositor fez ao usar guitarras junto com maracatu para compor as melodias, e coloca que Cordel do Fogo Encantado e Antônio Carlos Nóbrega não usaram a mistura e são tão aceitos pelo público quanto Science.
Eu discordo dele neste aspecto, porque eu acho que o resultado do trabalho de Chico Science é muito bom. A guitarra de Lucio Maia traz um diferencial melódico para as canções. A fusão foi perfeita. Tanto que outras bandas pernambucanas, que eu não citarei o nome, tentaram fazer a mesma mistura e o resultado foi desastroso. Muitas delas acabaram e tem até gente que fazia a mistura antigamente e hoje em dia diz “ah! Eu nunca fiz manguebeat, eu nunca fui do manguebeat”. Esta é a prova de que não é preciso apenas ter os elementos, mas é preciso saber manipulá-los. A Nação Zumbi tem uma sensibilidade musical que não se vê nos clones que surgiram dela pelo Brasil afora.
Ariano pode achar isso concessão. Eu não acho. Eu vejo isso como a utilização de um elemento externo a seu favor. Enriquecendo-o. Neste aspecto eu concordo com um ponto explorado por Ecléia Bosi em seu artigo Cultura Popular, Cultura de Massa e Cultura Operária. Nele, Bosi comenta um dos fragmentos da obra do pensador italiano Antonio Gramsci sobre a cultura popular – no sentido de cultura produzida pelo povo. Gramsci diz que a cultura popular tem a capacidade de perpassar a cultura de massa, ou seja, de absorver seus elementos, reelaborá-los para, então, usufruir deles.
Eu vejo as coisas nessa perspectiva. Eu acho que Chico Science – e a própria Nação Zumbi, hoje em dia – utilizaram o peso das guitarras para dar um toque no trabalho que eles pretendiam desenvolver, da mesma forma que eles utilizaram a música eletrônica; mas a base sempre foi o baque do maracatu. Não acho que houve perdas no resultado por conta dos elementos externos.
O que eu acho que faltou, e neste ponto eu concordo com a preocupação de Suassuna, foi mostrar, junto com o trabalho elaborado, as raízes populares em que ele foi fundamentado. Muita gente diz “ah! Mas o maracatu foi divulgado”. No entanto, o maracatu que foi apresentado para o mundo se resumiu à melodia do baque solto e do baque virado. Pouca gente sabe que maracatu não é um ritmo. Não é ritmo. É um cerimonial religioso, em que a música é um dos componentes. Um cerimonial sério e de grande representação para a comunidade negra no Brasil.
O perigo mora nesse ponto. Quando se começa a privilegiar apenas o que pode ser transformado em mercadoria de fácil assimilação e esquecer o contexto em que aquele elemento faz sentido. Vender o maracatu como ritmo e apagar da memória nacional que a melodia tem fundamento como componente de uma cerimônia religiosa é, o que eu tomo a liberdade de chamar, crime cultural. É com este tipo de atitude que Ariano parece se preocupar e eu dou o maior ponto pra ele.
Ia falar mais, mas este post está muito grande...