Quinze dias sem escrever é um hiato considerável. Não foi por falta de assunto, confesso, e sim por ausência de motivação. Murchei nos últimos dias de férias e o inicio das aulas terminou por sedimentar o caos. Não estava mais acostumada a sair de casa correndo, pegar ônibus, passar a tarde trancada numa sala de aula e a noite em reunião. Quando meus pés, finalmente, tocavam o chão do quarto, a vontade de escrever simplesmente desaparecia. Os dias foram passando e a situação tomou proporções tão fantasmagóricas que decidi enfrentar o monstro antes que ele me engolisse, então, aqui estou.
Ao mestre com carinho...
O fim das minhas férias foi marcado por uma tristeza muito grande. Noite Ilustrada, meu sambista preferido, partiu nos últimos dias de julho virando saudade. Eu lembro quando papai comprou o primeiro disco dele. Era uma coletânea com capa preta, lançada pela Polydisc, chamada Cada Vez Melhor. Eu fui escutando aquela voz singular e aprendendo as canções. Este disco tornou-se o primeiro álbum de samba que eu cantava do começo ao fim, sem pestanejar.

Engraçado, como Noite Ilustrada morava em Recife na época em que comecei a gostar do trabalho dele, eu nunca associei a vida dele ao sudeste do país. Mas ele nasceu em Minas e viveu muitos anos no Rio de Janeiro e em São Paulo, até aparecer pelas bandas da Veneza brasileira. A questão é para mim ele era recifense, ele tinha a cara de Recife, daquela boemia do centro da cidade a la “um barzinho e um violão”. Eu escutava aquelas músicas e o imaginava cantando em uma roda de samba, num domingo à tarde. Talvez essa imagem venha da vontade que eu tinha de ir a uma roda de samba com ele.

Gente, aquele homem tinha uma voz espetacular, tinha uma interpretação de deixar uma platéia inteira de queixo caído. Eu brigava quando estava escutando algo dele e alguém mudava a estação do rádio ou desligava o disco. Isso mesmo. Disco. Vinil. Chiando. Se a faixa começava a pular, eu pegava o disco, dava um banho com detergente, limpava e colocava para tocar. Dizem que danifica o disco. Outros dizem que tira os arranhões. Eu ignorava as teorias, porque o que eu queria era ouvir Noite Ilustrada. Ficávamos eu e a minha mãe ou eu, minha avó e minha tia – avó cantando na cozinha. Agora os discos dele estão aqui no chão do quarto esperando que meu pai tenha a boa vontade de me dar a vitrola dele, pois, a minha, já era.

Noite Ilustrada e Jair Rodrigues
Acabei fazendo uma matéria no Rabisco. Não podia deixar passar em branco. Se bem que isso contradiz uma música que eu gosto muito, e que ele interpretou divinamente, chamada “Quando eu me chamar saudade”, que era de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. A estrofe diz: “por isso é que eu penso assim/ se alguém quiser fazer por mim/ que faça agora”. Acabei descobrindo uma série de coisas legais a respeito da vida dele enquanto pesquisava. Estou morrendo de vontade de encontrar as gravações que eu não conheço, fazer uma pesquisa maior, sabe? Acho que vai ser uma experiência muito gostosa...
Era quase o fim de um patrimônio...

Jackson do Pandeiro
Agora, o que me angustiou esses dias foi fazer uma busca nos discos de vinil da casa da minha avó e constatar que uma coleção inteira de clássicos estava abandonada ao sabor da umidade e do mofo. Quase chorei. As capas estão destruídas. Capas lindas!!! Acabadas!!! Tem um disco de Agnaldo Timóteo (desconsiderem o que vocês viram naquela temeridade que foi a casa dos artistas e pensem apenas no cantor) que tem uma capa espetacular e está completamente destruído.
Fiquei pensando em procurar aquelas capas brancas que faziam antigamente para vinil, comprar umas cinco dezenas delas e colocar os discos. Infelizmente vou ter que jogar as capas originais fora, pois, muitas estão literalmente comidas pelo mofo e pelas polias (foi a maior covardia!) e preservar o trabalho desses artistas. A única coisa que não se encontra devorada é uma coleção de discos de música clássica, que estava dentro de um plástico apropriado. Essa se salvou. Ainda bem, porque quando eu vi o disco de Jackson do Pandeiro, quase tenho um treco. Eu não sei onde vende as capas brancas, se alguém souber, estou aceitando as dicas. Ajudem-me a salvar um patrimônio musical.
Falando em música...
Eu nunca falo muito de música, mas lendo um site esses dias, descobri uma revista de música virtual que me deixou de queixo caído. O nome é Gafieiras. Gente! Que revista fantástica! Eu fiquei babando! Juro! E fiquei ainda mais abismada quando, desbravando os links, achei uma entrevista bárbara com Noite Ilustrada. É enorme, mas é muito boa, melhor que qualquer matéria que tenha saído sobre o violonista. Fica a dica, porque o trabalho do pessoal é de qualidade.
Bom, chega por hoje...