Se um dia tocar a vida...
Bom, eu havia prometido explicar o porquê do trecho do Livro do Desassossego neste blog. Então, aqui vamos. Eu recebi uma carta maravilhosa esses dias de um amigo de Brasília. Nela, ele citava um trecho do poema de Fernando Pessoa que Maria Bethânia costumava recitar em seus shows e que ele achou que combinava com o comentário que eu fiz na minha última correspondência para ele.
Eu estava comentando com ele que às vezes eu não me sinto inserida na vida. É como se eu vivesse em uma dimensão paralela. Eu penso tanto sobre tudo o que acontece que nada passa sem que eu tenha na mente uma completa análise de tudo. Eu não consigo ser tragada pela vida. Não consigo viver as coisas plenamente. Se eu vou a um show, fico racionalizando sobre o que é estar ali, com aquelas pessoas e de repente me vejo observando como as pessoas curtem, como elas cantam, como elas se entregam. Eu não consigo.
Fico até com um pouquinho de inveja de quem vive certos momentos de corpo e alma. Embora eu admita que existe uma vantagem em não estar totalmente entregue a tudo, que é poder controlar melhor as rédeas das coisas que acontecem comigo. Mas, até que ponto vale a pena, sabe? Se bem que nem adianta perguntar até que ponto vale a pena porque eu sou assim desde criança. Acho que meus pais nunca entenderam. Eles colocam a culpa nos psicólogos das minhas escolas, mas eu deixei os psicólogos porque eles também não entendiam. Fui escrever diário, que era melhor e economizava tempo e dinheiro.
Agora eu tenho diário, mas não consigo sentar e escrever. Há dias em que eu penso que ou ando com medo de mim ou o ritmo alucinante que a minha vida está levando não permite que eu pare para escrever diário. Então, eu anoto as minhas reflexões no cérebro e despejo na primeira oportunidade que eu tenho de escrever cartas para alguém. É claro que eu não posso fazer isso com todo mundo. Tem gente que se lesse as minhas cartas, no mínimo, iria me chamar de alucinada.
Esses dias eu ganhei um conto do Takeda e respondi para o menino que me mandou dizendo tudo o que eu achava sobre a obra, fazendo uma análise psicológica dos personagens e colocando meus pontos de vista sobre o que tinha acontecido na história. Pela resposta dele acho que o guri tomou um susto mas, como ele é ótimo, foi bem legal comigo. Todo o problema é esse. Eu não consigo simplesmente viver. Eu preciso absorver. Ter consciência. Como se tudo na vida fosse concreto...
E não é. Nesse processo eu sinto que a vida está passando por mim, mas eu não estou indo junto com ela. É um estar presente apenas físico. Minha alma anda pensando no mundo, enquanto os meus pés habitam essa cidade. Um amigo me disse que eu estou em processo de expansão. Há dias que eu acho que nunca foi diferente, que os momentos em que eu me recolho são apenas para procurar caminhos por onde possa enveredar na estação seguinte.
Vai ver que é por isso que eu gosto do outono. Quer estação mais estranha que o outono? Tudo morre e tudo vive ao mesmo tempo. As folhas caem e, então, podemos ver as paisagens que ficavam escondidas atrás das árvores, até que elas fiquem verdes outra vez. O outono fica entre o verão e o inverno. Nem é quente nem é frio. Nem é oito nem oitenta. Nem entra e nem sai. É como eu me sinto: vivendo sempre em pleno outono. Sempre no limiar...
P.S – Mas falando do outono, me lembrei da musiquinha da Radio de Outono que diz “me deixa flutuar”. Deus do céu, mais outonal impossível...as folhinhas despregando das árvores e pairando no ar até que o peso as fazem ocupar seu lugar no chão...