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sábado, dezembro 27, 2003

Essa flor é para você...



Essa flor é para você. Isso mesmo! Para você que não ganhou presente de natal porque deixou de acreditar em Papai Noel desde que descobriu que as bonecas que você recebia todo 25 de dezembro eram compradas pelo vizinho. Isso mesmo! O vizinho que recolhia as cartas para Papai Noel duas semanas antes do Natal. Ele fazia isso para dar tempo de comprar todos os presentes. Isso mesmo! Ou você acha que nunca ganhava o que pedia, por quê? Não era o bom velhinho que te dava. No ano em que o vizinho achou que você estava grandinha demais para receber presentes natalinos, seu pai – marxista e contra todos os tipos de enganações capitalistas – ainda comprou uma pequena boneca e colocou debaixo do seu travesseiro. Isso mesmo! Ele não viu a meia delicadamente colocada na janela. Aquele ano talvez tenha sido definitivo. Teu pai não podia ficar todos os anos naquela angústia: seguir a doutrina ou não desapontar o seu coraçãozinho? Para acabar com o conflito, dias depois, com todo o carinho do mundo, contou o que você já desconfiava: Papai Noel não existia e o vizinho comprava os presentes de natal. Isso mesmo! O vizinho que um dia desses te fez rir até doer a barriga te lembrando dessas histórias...

Essa flor é para você. Isso mesmo! Para você que passa o dia pensando. Pensando em alguém que você nem sabe se existe ou se foi um sonho inventado para tornar os dias mais amenos. Isso mesmo! Esses dias em que você passa andando pela cidade. Sem destino. Cidade que você conhece de tanto dar voltas para se sentir mais parte dela. Isso mesmo! Ou não lembras que a maioria das horas tu passas viajando por lugares que nem sabe se um dia irá ver? Ah, como gostaria...Gostaria de pegar aquele ônibus novamente. Acordar em Jequié. Jequié? Isso mesmo! Acordar em Jequié e ver aquela cidade pequenina receber turistas de todos os lugares, enquanto suas coleguinhas maldosamente riam do recepcionista do hotel que era um pouco diferente dos outros meninos. Que tristeza! Isso mesmo! É uma tristeza lembrar que viagens como aquela não se repetem. Ver São Paulo com olhar de menina. Fazer cara amarrada quando o taxista contratado como guia, no Rio de Janeiro, disse no tour que o Jardim Botânico era apenas um lugar cheio de plantinhas e por isso não valia a pena descer. Isso mesmo! Programão era ver o Cristo e Redentor e o Pão de Açúcar. Você não agüentava mais, não é mesmo? Não, não agüentava. Tanto que se recusou a subir enquanto todos a olhavam com cara de espanto. Assim foi em todas as cidades. Lembra? Enquanto os outros passageiros seguiam em programas clichês, você convencia suas irmãs a fazer atividades mais interessantes.

Essa flor é para você. Isso mesmo! Você que teve coragem de comprar uma rosa na saída de um bar em Blumenau e dar a um menino que nunca mais iria ver apenas porque o achou bonito. Onde foi parar sua coragem para fazer essas coisas inusitadas? Isso mesmo! Quando é que você vai voltar a ter esses impulsos que fazem o coração bater desesperado esperando a reação alheia? Nunca? Que coisa mais feia! Confesse que hoje você ficou tentada a fazer uma dessas loucuras, não ficou? Pode confessar. Eu vi. Isso mesmo! Meninos, eu vi! Eu vi que você se contorceu de desejo de comprar aquele presente para o menino do sonho. Ou dos sonhos. Ou da realidade que vira sonho quando você lembra que ele está a sete cidades de distância. Sete cidades. Você acha essa música linda. Eu também acho. Acho que de tanto você escutar. Isso mesmo! Você canta sete cidades no banheiro todas as vezes que vai tomar banho. Sua mãe nem reclama mais. Ela apenas fica esperando que um dia você mude o repertório. Será que um dia o repertório vai mudar? O disco vai trocar de lado? A música dará um passo à frente? Quando se aprende a amar o mundo passa a ser seu. Você já aprendeu a amar? Alguém te perguntou isso um dia desses e você não soube responder. Isso mesmo! Não soube responder. Amor guardado em caixinhas não circula. Hoje você as olhou tanto, não foi? Sentiu vontade de abrir todas de uma vez. Ai, que medo! Medo do amor ou do que ele pode fazer enquanto circula? Aquela camiseta não te sai da cabeça, não é? Era amor que andaria sete cidades.

Essa flor é para você. Isso mesmo! Você que passou o Natal pensando em tudo o que fez de bom na vida para não lembrar que a casa estava vazia. Vazia como o canto da sala destinado à árvore que você não montou. Não haveria presentes. Nem bichano para subir e derrubar todas as bolas coloridas. Isso mesmo! O bichano se foi e que saudade deixou. Saudade que se estende até Cabo Verde, para onde os antigos companheiros de ceia precisaram voltar porque terminaram a faculdade. Ou você achava que eles iam ficar para sempre? Lembra daquele ano novo em que você decidiu se sentir mais leve e comprou um par de havaianas brancas? Isso mesmo! Eles estavam olhando a lua com você e o resto da família no jardim. Lua bela. Bela lua que não foi atrapalhada nem pela nuvem de chuva que deu um alô perto da meia noite. Os fogos estavam tão bonitos. Todas as suas amigas estavam chiquérrimas em vestidos longos, saltos, maquiagem e cabelos escovados e você sorria ao vê-las comentar das suas havaianas brancas. Isso mesmo! Como era lindo aquele par de havaianas brancas, que hoje está amarelado em algum canto da casa da sua avô. Eu sei que você o viu esses dias e lembrou. Lembrou dos amigos, da sua mãe sorridente, do abraço no seu pai, da sua irmã correndo pela casa com uma garrafa de champagne. Ela estava se formando. Agora sua outra irmã está se formando. E você? Quando se formará? Quando sairá desse quarto escuro onde reza todas as noites para que a tela branca deixe de ser branca e você diga algo que faça sentido?

Essa flor é pra você. Isso mesmo! Você que tem todas essas perguntas para responder....


Foto gentimente cedida pela Renata