O gosto das páginas viradas...
Estas férias serão diferentes. Bem diferentes. Eu não vou curtir meus dias lendo livros leves, cozinhando, ouvindo música e conversando muito com meu sobrinho que completa quatro meses dia 21. Pelo contrário, além de ajudar o pessoal na organização do Congresso Brasileiro dos Estudantes de Comunicação Social, que vai ocorrer em Recife, em janeiro, eu vou estar dedicando meus dias a pesquisar os bastidores das estratégias de sobrevivência utilizados pelo jornal Folha do Povo para conseguir circular em Recife durante quase três décadas, a partir de 1935.
É que o periódico era representante da imprensa popular e comunista e a redação foi invadida diversas vezes pela polícia. Na verdade, alguns comentários que ouvi diziam que no mês em que o jornal não era invadido, o pessoal achava estranho. De fato, eu peguei um texto de um historiador da imprensa sobre o jornal e fui marcar as partes que tratavam de invasões, prisões, pedidos de ajuda e empastelamentos. Marquei quase o texto inteiro.
Eu confesso que estou muito empolgada para fazer a monografia, mas a empolgação é diretamente proporcional à preocupação de não conseguir fontes que fechem as lacunas do meu trabalho. Eu estou procurando arduamente. Se for preciso sair do estado para entrevistar gente fora, eu irei. Os poucos colaboradores vivos devem beirar os 80 anos, e eu estou louca para ouvir as histórias que eles têm para contar. Acho que vai ser uma experiência extremamente enriquecedora.
Eu vejo o pessoal boicotando as aulas de história da comunicação. Depois que comecei a estudar história da imprensa, eu fiquei apaixonada. Entendi muito do que são os veículos de comunicação, atualmente. De onde vem tudo o que a gente admira e odeia neles. A pesquisa ampliou a minha visão sobre o jornalismo e, principalmente, sobre o bom jornalismo. Eu que sabia que queria ensinar, mas não sabia a disciplina exatamente, me descobri. Quero ensinar história da comunicação.
É muito interessante. Quando estava pesquisando para fazer um panorama do jornalismo científico, da década de 1980, encontrei um exemplar do Correio de Pernambuco, do dia 10 de janeiro de 1980 que trazia, no caderno de Cultura, uma matéria intitulada Apontamentos de Um Cineclubista. Pelo que dizia o texto, um rapaz que freqüentava um cinema de recife costumava fazer apontamentos em um diário sobre o que sentia a respeito dos filmes, dos personagens e de determinadas cenas. Em um determinado dia, o moço esqueceu o caderninho no cinema, que foi parar na redação do jornal. Então, fizeram uma matéria e alguns de seus apontamentos foram colocados, com foto do caderno, no jornal.
Era uma curiosidade da época, sem dúvida. No entanto, no último ano em que freqüentei o Arquivo Público de Pernambuco (que sofreu uma baita limpeza semana passada, por ocasião de seu aniversário), eu vejo poucas pessoas, que se dizem interessadas em cinema, lendo o que foi publicado sobre filmes antigos, nestes jornais. E tem muita coisa legal de outras áreas, também.
Algumas colunas literárias eram hilárias. As páginas de fofoca colocam estas milhões de revistas de celebridades no bolso. Tem um caderno de cultura que traz uma matéria sobre Broke Shields, logo que ela terminou de filmar A Lagoa Azul, mostrando porque a garota “era realmente uma mulher anos 80”. O texto é de ter crises histéricas de riso. Eu mordia o dedo para não ser repreendida pelos outros visitantes, enquanto soluçava de tanto rir.
Se algum dia os filhos de vocês forem estudar jornalismo e encontrarem, em sala de aula, uma professora apaixonada por jornais velhos, que tem coleções e coleções de revistas em casa, que incentiva os estudantes a freqüentarem o arquivo público e a conhecer a trajetória de tudo o que for ligado à área, tenham certeza que esta pessoinha que vai estar naquela aula, com os olhos brilhando quando falar em notícias mofadas (como dizem certos chatos), sou eu.
OBS – Vocês deviam ir ao Arquivo Público, também. Procurem Dona Lindinalva, que ela é um doce.
OBS2 - Em cima é uma foto da Folha do Povo, que denunciava a censura em cima da imprensa pernambucana. A outra figura é um boleto de assinatura do jornal A Cidade, que defendia o grupo dos integralistas e segundo o historiador e jornalista Luiz do Nascimento, era um periódico opositor da Folha.