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quinta-feira, dezembro 01, 2005

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer...


Por uma coincidência enorme, a minha irmã está tomando aulas de violão com a música de Geraldo Vandré. No entanto, eu não vou utilizar a canção para falar da repressão e, sim, de coisas boas, de gente que não fica em casa com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar, como diz o querido Raul Seixas.

Em março deste ano, eu tive o prazer de participar de um projeto de organização de núcleos de comunicação em algumas comunidades do Recife. O projeto estava sendo desenvolvido pelo Gajop em parceria com o Centro Luiz Freire, e, durante o tempo em que eu estive junto com eles, nós realizamos oficinas nos bairros de Santo Amaro, Iputinga e Ibura.

Do Ibura de Cima, mais especificamente, veio uma de nossas grandes surpresas que foi a formação da União Social do Ibura. Um grupo de jovens maravilhosos, conscientes de seu papel na sociedade, que queriam organizar um núcleo de comunicação para tentar mudar a imagem do bairro, que, hoje, é conhecido como um dos mais violentos da capital, por causa das estatísticas divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública.

Esta imagem, amplamente divulgada, tem causado muitos problemas para quem vive no local. As pessoas não conseguem vender imóveis, nem arrumar emprego. Encaram, todos os dias, a desconfiança da população de outros bairros, que acham que o Ibura é um matadouro dentro de Recife. Como os meninos dizem: existe violência, sim. Mas que lugar de Recife, hoje, é seguro? É verdade.

Nós passamos cerca de um mês convivendo no Ibura, e observamos outra realidade, além daquela que é mostrada nas páginas policiais. A Escola Jordão Emerenciano, por exemplo, aos sábados, fica tomada de jovens da comunidade, integrados em um número enorme de projetos, sejam culturais, educacionais ou apenas com o intuito de integrar a garotada.

E, pense em um clima maravilhoso. A gurizada é muito alto astral e se envolve no que faz. É lindo! Tem uma equipe montando um projeto de rádio, chamado Paz nas Escolas. Sem contar o trabalho do pessoal do Semente Zumbi, dos meninos que estão batalhando para divulgar o livro Hip Hop a lápis, entre outros.

A questão é que o terceiro maior bairro do Recife, como diversos outros, é negligenciado por políticas públicas, que visem realmente alterar a situação vivida pelos moradores - e não apenas tapar o sol com a peneira. Isso não é novidade. O que muda, desta vez, é a existência de pessoas dispostas a tentar mudar esta situação, e que não esperaram ajuda vinda com segundas intenções. Eles procuraram quem queria dar uma força e propuseram um esquema de trabalho, que foi colocado em prática pelo pessoal do Gajop e do CCLF.

Quando eu deixei o projeto, fiquei tão encantada com o pessoal que convenci a minha equipe da disciplina de Redação IV - que desenvolve trabalhos jornalísticos com setores não empresariais - a investir na União Social do Ibura. Estes meninos têm uma força de vontade imensa e nos deram verdadeiras aulas de iniciativa, durante os três meses que passamos compartilhando experiências nas oficinas de produção de texto, rádio e diagramação - a foto do começo do post foi no dia que recebemos a visita de Darana, do Alto do Pascoal, para falar sobre produção cultural.

Além disso, para poder ajudá-los a trocar idéias com outras pessoas acabamos conhecendo melhor projetos magníficos, como o de Darana e o Alto Falante, do Alto José do Pinho que, na penúltima semana da oficina de rádio, foi representado por Cannibal e Celo, do Devotos . Foi uma experiência peculiar e que, ontem, começou a dar frutos. Os garotos da U.S.I conseguiram fazer uma reportagem especial que foi veiculada na primeira edição do NETV.

Eles mostraram um outro lado do Ibura. Rogério Barros, que é um dos integrantes do grupo, apareceu mostrando o USINE, que é o fanzine que eles criaram para divulgar notícias, idéias e informações de cidadania e cultura para a comunidade. A importância disso é muito grande porque Rogério mesmo passou pela experiência de ser constrangido em local de trabalho por ser do Ibura.

Ele sempre realizava serviços de manutenção hidráulica, por uma firma recifense, na casa de um grande empresário local. Quando descobriram que ele morava no Ibura, os seguranças da residência pediram que ele circulasse apenas nas áreas da casa em que havia câmeras do circuito interno de televisão. Como se morar naquele bairro fosse um indício de que a pessoa teria inclinação para o crime. O que é um absurdo...

Então, eu fico muito feliz pelos meninos! Espero que eles consigam no Ibura, o que o pessoal conseguiu no Alto José do Pinho. A tarefa é bem maior porque o Ibura é uma outra cidade dentro de Recife, mas se depender a força de vontade deles, vai dar tudo certo. Daqui, nós estaremos sempre acompanhando e oferecendo apoio. Se alguém mais quiser oferecer algum tipo de apoio ao grupo, eles precisam. Ah e para conhecer mais sobre o projeto da USI pode entrar aqui: www.usifanzine.blogspot.com

Parabéns e muito carinho aos garotos!