Semana passada eu estava conversando com o Marcelinho sobre os dias em que estamos bem e os dias em que estamos mal. E eu lembro de ter dito a ele, que não conseguimos pensar na vida sem sentir um certo receio de morrer e não podemos pensar na morte sem sentir nosso coração pulsar de desejo de viver.
Essa madrugada eu sonhei que meu pai morria e que uma amiga, que há um tempo eu não vejo, vinha me visitar. Acabei de saber que o pai dela faleceu. Estou arrasada. Primeiro por que ela mudou – se e eu não sei onde ela está morando agora (minha mãe foi saber). Logo, nesse exato momento, ela pode estar precisando de um ombro amigo, e eu não estou presente; sem contar que a gente nunca tem muito o que dizer nesses momentos. A morte parece ser o único acontecimento que nos deixa completamente sem palavras.
E cada vez que isso acontece, comigo, ou com as outras pessoas, eu fico aqui me perguntando se já disse as pessoas que eu amo o quanto eu os amo. Essa semana o Marcelinho me mandou um email que eu tinha escrito exatamente sobre isso.

No começo da minha adolescência, aos 12 anos, eu tinha conhecido uma menina que eu considerava “minha melhor amiga”. Nós vivemos momentos fantásticos juntas, mas anos depois eu descobri que ela havia agido de má fé comigo e me afastei. Durante muitos anos, ela passava na porta da minha casa, para ver os vizinhos e visitar os amigos dela e nós não nos dávamos sequer um bom dia. Com o tempo a mágoa que eu tinha dela se desfez, por que eu perdi um dos meus amigos de câncer no tronco do cérebro (e ele era ex – namorado dela), e isso me fez repensar muitas coisas. E eu vi que guardar mágoa não era a melhor coisa. Mas mesmo assim não a procurei. Houve um momento em que ela fez um desses encontros jovens e eu não sei se ela repensou as coisas. Mas a família do namorado dela tentou um reencontro. Eu confesso que queria, mas declinei, pedi um tempo para me preparar. E não houve outra chance. Meses depois ela morreu em um acidente de carro. E eu não tive oportunidade de dizer a ela que a perdoava e muito menos de pedir perdão pelas coisas que eu, por ventura, fiz de errado.
Mas houve momentos em minha vida em que isso foi possível. Quando eu conheci o Filipe, ele tinha apenas 12 anos, era o menino mais irrequieto que eu já tinha conhecido. Ele tinha leucemia. E passou vários anos em tratamento. Durante uma época surgiu o boato na escola dele de que ele tinha voltado dos EUA curado. Mas nós, que estávamos junto dele, sabíamos que o verdadeiro ditado era “o que não tem remédio, remediado está”. Não tinha mais jeito. A única coisa a se fazer era tentar adiar o fim da vida dele o máximo possível, por que dois transplantes de medula não fizeram efeito. Então, o que nós fizemos foi viver, viver de verdade. Ele me dizia a cada encontro o quanto ele me amava, o quanto eu era especial pra ele. E eu da mesma forma, deixava bem claro o quanto ele era importante pra mim. Meses antes dele falecer, eu fui visita – lo, mas ele me disse que não queria que eu ficasse triste, por que se ele soubesse que eu estava triste, ele não iria mais me deixar vê – lo. Controlei minha tristeza, e fui passar uma tarde inesquecível com ele. Mesmo vendo – o com aquela sonda pendurada no corpo andando pelos lados do quarto e vendo que seu guarda – roupa tinha se transformado em uma farmácia ambulante, ele era a pessoa mais cheia de vida que eu conheci.

Um dia eu estava subindo a escada do shopping e ele descendo. Tentei voltar pra dar um abraço nele, mas ele tinha ido embora no meio da multidão. Então eu dei meia volta, senti meu peito apertar meio que sem motivo. Mas havia motivo. Essa foi a última vez que nos vimos. Ele faleceu dia 28 de Junho. E a minha vida nunca mais foi a mesma. Mas ele se foi sabendo o quanto eu o amava. E eu sabia o quanto ele me amava. Ele era meu amigo, e eu aprendi muito com ele.
Então, depois de passar por essas duas experiências, eu faço o possível e o impossível para me dar bem com as pessoas. E mesmo quando em momento de descontrole, eu acabo brigando com alguém, me lembro disso e vou correndo conversar e tentar resolver a situação. Por que é como eu escrevi no email do Marcelinho, a gente não sabe se vai ver as pessoas de novo. A gente não sabe se vai ter chance de poder abraça – las outra vez. Por isso eu perdi a vergonha de dizer que eu amo, de dizer que eu quero ter meus amigos do meu lado, de dizer que as pessoas me fazem falta, que eu sinto saudade. Por que se um dia eu me for, ou elas se forem, a última palavra foi de amor.
E um beijo enorme pra Ju Mariante que saiu do hospital hoje, e está super bem.