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domingo, novembro 17, 2002

Falando em Teatro...

Primeiro Ato – Pólvora e Poesia – 15/11/02 – 21:00

Controlada a minha indignação com o V Festival Recife de Teatro Nacional, organizei a minha agenda para comparecer às apresentações. Sábado à noite finalmente encontrei – me no Santa Isabel vendo Pólvora e Poesia. Não lembrava exatamente quando tinha sido a última vez que pisara no teatro. A única coisa que sei é que eu ainda era pequenina, porque lembro que o teatro me pareceu incrivelmente menor desta vez. Papai confirmou que éramos realmente pequenas – eu e minhas irmãs – quando estivemos lá, porque na época ainda carregávamos conosco o desejo de representar; e embora tenhamos feito cursos de teatro durante mais de cinco anos, nenhuma das três continuou na área de artes cênicas. Mas vale salientar que é uma área belíssima e que exige muito estudo e dedicação.

E foi exatamente o que vi quando João Vitti e Leopoldo Pacheco começaram suas fantásticas performances em Pólvora e Poesia, acompanhados de forma soberba pelo pianista Fernando Esteves – um show a parte, diga – se de passagem. Creio que passei boa parte da peça boquiaberta, e mesmo nas partes mais descontraídas me sentia angustiada quando alguém soltava um risinho. Havia poesia por toda a parte: nas falas, no movimentar dos corpos pelo palco, nos olhares, nos gestos simples, no improviso de um outro que não existia. Matilde – esposa abandonada por Paul Verlaine – não possuiu personagem físico, mas sentia – se sua atração e repúdio por Rimbaud, sua tristeza e indignação ao perder o marido, sua aura vingativa – ao deixar Verlaine a ver navios, quando este quis reatar a relação.



Como se sentiu tudo isso? Na interpretação de Pacheco. Impecável. Ele foi Verlaine e ao mesmo tempo o espelho de Matilde. Todos os sentimentos da mulher que estava sendo abandonada refletiram – se em suas reações de homem angustiado pela descoberta da homossexualidade. Seu temperamento – que oscilava entre a felicidade e a culpa constantemente – mostrava genuinamente seus conflitos de espírito. Conflitos estes deflagrados pela vivacidade de Rimbaud, que tornou – se anjo e demônio na pele de Vitti. O personagem caiu como uma luva ao ator, que deu toda a eloqüência necessária ao Rimbaud que vez Verlaine desestruturar um matrimônio até então consolidado, com um filho por nascer, para cair em seus braços.

O espetáculo foi construído de forma cíclica, e estava muito bem amarrado. Fiquei impressionada! Não foi necessário nenhum cenário extravagante, além do piano de Esteves, duas estruturas metálicas ao fundo, duas lindas taças e da iluminação. Nada mais. Os atores e o pianista fizeram o resto.

Segundo Ato – Não aconteceu. 16/11/02

Não conseguimos assistir a O Carrasco, no teatro Hermilo Borba Filho por que não havia mais ingressos (de novo?).

Terceiro Ato – Quem ensinou o diabo a amassar o pão? 17/11/02 – 17:00.

Uma das iniciativas – desta vez positiva – da organização do evento foi a mostra paralela que aconteceu no subúrbio da cidade de Recife. No bairro em que moro hoje a tarde apresentou – se o grupo Vem cá, vem vê, que está prestes a completar 23 anos de atividades. O texto hilariante chamado Quem ensinou o diabo a amassar o pão? é uma crítica interessante à sociedade, que tem mania de colocar suas vitórias em “Deus” e suas derrotas no “Diabo”, ao invés de assumir as conseqüências dos seus atos.



A comédia mostra Lúcifer materializado em homem, visitando a Terra, em busca de uma resposta: Quem o ensinou a ser mal? Os candidatos a responder este embaraçoso questionamento foram os mais variados: um ladrão, um bispo, um pastor evangélico, uma prostituta, um político, e o senhor da guerra – isso mesmo, o presidente norte – americano George W. Bush. A apresentação mostrou de forma leve e poderíamos dizer educativa, como a sociedade constrói as suas mazelas e como seus membros acabam por sentir as conseqüências destas nódoas sociais, cuja culpa sempre vai parar no Diabo, que indignado, sentiu – se no direito de vir aqui em cima se defender.

O espetáculo mereceu os aplausos do público, e o grupo mereceu aplausos duplicados, pela resistência durante tantos anos. É realmente encantador encontrar pessoas que dedicam tantos anos de sua vida, mesmo sem ter o apoio necessário, simplesmente porque amam atuar. O Teatro Popular, os grupos de rua e todas as variações desta atividade deveriam ser extremamente respeitados, porque são feitos por pessoas que fazem sacrifícios inimagináveis para colocar uma peça na rua.
E tristemente, havia tanta gente rondando a praça na hora da apresentação, mas poucos quiseram deixar a sua cerveja e o brega que ecoava pelo espaço, para prestigiar aquelas pessoas, que vinham de tão longe, mostrar um pouco do que produzem e tornar o cotidiano da praça mais alegre. É uma pena, se este espetáculo custasse uma fortuna de entrada, e estivesse em um dos grandes teatros da cidade, certamente ia ter gente se batendo para poder assistir.