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domingo, fevereiro 09, 2003

Bienal da UNE: Segundo Dia

PROTESTOS ESTUDANTIS LOGO CEDO

O segundo dia da Bienal reservou muitas manifestações culturais e também muitos protestos. Logo cedo, por volta das 09:50 um grupo de estudantes mineiros armou duas barracas no hall do Centro de Convenções para protestar contra o desconforto do alojamento coletivo organizado pela UNE no Ginásio Geraldo Magalhães – GERALDÃO. Segundo os manifestantes, a promessa era de que eles ficariam na UFPE, mas foram colocados no ginásio. Até então, não havia problema se não fosse a falta de banheiros. O ginásio possui quarenta banheiros e só dois estariam funcionando para as cerca de duas mil pessoas instaladas no local.

O movimento que foi nomeado MARUAI – Movimento Artístico Revolucionário UAI – conseguiu juntar alguns adeptos dentre os estudantes presentes. Todos com o nariz pintado de vermelho, como se fossem palhaços. Uma mensagem clara nas portas da organização da Bienal. O que se quer ver agora é se algo realmente vai ser feito. Conhecemos uma garota do Rio de Janeiro no almoço que dizia ser o banheiro uma lagoa e que as pessoas não queriam mais usá-los naquelas condições. Nada mais justo. Alojamento coletivo não precisa ser sujo e desorganizado. O evento foi preparado com tanta antecedência, por que isso não foi pensado antes também?

MÚSICA PARA O CORAÇÃO DESPERTAR

Quando o MARUAI se dispersou alguns tambores começaram a soar do outro lado do Hall, onde estava instalado o Espaço Cuca. O pessoal da Oficina de Percussão começava a preparar o espírito dos inscritos para a aula. Eu não estava inscrita, por que muitos souberam da inscrição dos mini-cursos quando esta havia encerrado e este foi o meu caso. Pois bem, como não era da oficina, não pude tocar percussão, mas pude ver o pessoal tocando.

Para uma pernambucana, que nasceu em uma cidade que é considerada um dos berços da cultura popular e que escuta maracatu desde pequena, o som de um tambor de percussão ecoando pelo ar é de acelerar o coração. Saio cruzando as barraquinhas atraída pelo batuque dos tambores. Lembrei-me agora daquela estorinha do flautista que encantou crianças e as levou embora da cidade. Senti-me meio que uma criancinha encantada. Mas não pude cair no meio do pessoal e dançar maracatu porque estava com uma bolsa pesada e estava tirando fotos de tudo. Então, só fiquei me balançando no meio daquele som maravilhoso! Foi lindo!

Acho que nunca contei que quando era pequena, eu fazia escola de arte e uma vez fui rainha do maracatu. Fui escolhida por ser alta dentre as meninas. Fiquei feliz, mas também fiquei triste porque queria ser uma baianinha pra fazer todos aqueles passos lindos e dançar bastante. Os passos da rainha e do rei do maracatu são um pouco resumidos, não há muita liberdade. As baianinhas é que dançam de verdade. É lindo! É lindo! Maracatu, Caboclinho, Frevo, Cavalo Marinho, Reisado, tudo isso é lindo de ver e muito bom de dançar. Ai ai ai...

MANIFESTAÇÕES CULTURAIS ESPONTÂNEAS E INCENTIVO

Mas voltando para a Bienal. Hoje as barracas e stands estavam devidamente montados e muitos hippies trouxeram seus trabalhos para vender. Havia diversos artigos criativos, bonitos e baratos. Os livreiros também se organizaram, mas desta vez os trabalhos vendidos são de artistas alternativos. É interessante esta iniciativa porque visa trabalhar algo diferente do que é praticado pelo grande circuito midiático.

Durante esta visita aos livros é que vi no meio do hall três garotos fazendo movimentos encantadores com malabares. Dois deles estavam em um grupo circense há seis meses e pareciam realmente gostar do que faziam. Fiquei admirando-os por um tempo. Tirei fotos, mas ainda não revelei. Quando revelar mostro aqui. No fim do dia, vi mais um garoto também fazendo malabarismos. Uma coisa legal da Bienal é que o pessoal está mostrando o que sabe fazer de forma aberta, para todo mundo ver, e o que percebi com dois dias de evento é que as universidades realmente estão infestadas de artistas que não têm oportunidade de mostrar o seu trabalho.

Esta temática foi abordada por volta das 15:00 no debate de abertura da Mostra de Artes Cênicas que contou com a participação do ator e atual Secretário Nacional de Artes Cênicas e Música, Sergio Mamberti e do ex-presidente da UNE Rui César, atualmente integrante do projeto Via Magia.

A PALESTRA

A palestra começou com uma hora de atraso. Durante este intervalo, um garoto do Ceará chamado Walter pegou um dos microfones e começou a cantar Haiti, de Gil e Caetano, sendo acompanhado pela platéia com palmas. Depois disso a UNE abriu o microfone e diversos outros garotos declamaram poesias, cantaram e discursaram seus lamentos acerca da situação do país. Um dos garotos foi aplaudido de pé após declamar e representar um poema de sua autoria com sensível competência. Poucos minutos depois Mamberti, Rui César e Ana Cristina Petta adentravam o palco para compor a mesa do debate. Cada um dos participantes da mesa falou sobre um aspecto relacionado ao tema.

Mamberti abordou a parceria, segundo ele sempre positiva, entre artistas e estudantes. Deixou claro que o governo Lula, através do Ministério da Cultura, estava disposto a dialogar com os diversos setores da sociedade de modo a criar alternativas de incentivo a produção cultural que se encaixem na realidade de cada região e incentivou os CUCAS – Centros Universitários de Cultura e Arte – a serem, em cada região, espaços de incentivo e divulgação da cultura popular brasileira.

Rui César, por sua vez, colocou um assunto que muito me interessa. Um sistema de produção cultural horizontal. Ele comentou que se nós observarmos os jornais do País, todos eles possuem uma quantidade grande de notícias vindas de uma única fonte, que são as agências de notícias. Essa realidade demonstraria que a produção cultural, principalmente nas capitais, estaria sendo desenvolvida de maneira vertical, ou seja, as pessoas simplesmente reproduzem no seu cotidiano os modelos que são importados e impostos pelo circuito que engloba os grandes centros urbanos mundiais, como Nova Iorque e Londres. Ele exemplificou este fato mostrando a dificuldade que se tem para trazer ao Brasil artistas e intelectuais de países fora deste circuito. Levando em consideração este panorama, ele propõe um sistema em que a socialização de informações proporcione a construção de uma cultura horizontal, pois quem detém projetos bem sucedidos na área de cultura costuma proteger suas fontes de tal forma que as oportunidades ficam restritas a um determinados grupos, ou setores culturais, impedindo que outros projetos possam ter acesso às mesmas fontes para crescer também.

Por último foi a vez de Ana Cristina Petta defender uma cultura calcada na descoberta da identidade cultural do povo brasileiro. Sobre o CUCA, ela comentou que o projeto ainda estava iniciando e que seria interessante que durante os sete dias da Bienal houvesse um esforço por parte dos participantes de discutir como os Centros poderiam se firmar para constituir um circuito onde os trabalhos artísticos produzidos dentro das universidades pudessem ser mostrados nas diversas regiões e questionou Mamberti a respeito da visão do Ministério da Cultura sobre este assunto.

COM A PALAVRA: OS ESTUDANTES

Depois dos palestrantes foi a vez dos estudantes falarem. Os discursos basicamente se resumiram a protestar contra a forma de produção cultural do Brasil adotada até então, a colocar o governo Lula como possível salvador da Pátria e a incentivar a platéia que a cada oportunidade entoava gritos de guerra como: “Bienal é luta pra quem quer cultura”. Em pouquíssimas falas ou perguntas surgia algo novo. Exemplos: uma garota de Fortaleza questiono se o Ministério da Cultura teria projetos de incentivar o aperfeiçoamento dos cursos de artes cênicas em outras regiões do País. Outra menina de Montes Claros colocou que havia uma lei que determinava que uma porcentagem das músicas exibidas nas rádios fossem nacionais, e se o cumprimento dessa lei poderia servir como uma forma de divulgar a música nacional.

Mas o que mais chamou atenção foram os protestos de alguns estudantes contra o apoio da Rede Globo e do Governo do Estado de Pernambuco ao evento. De acordo eles, a Globo era um produto da era autoritária brasileira, que massificou a cultura destruindo a identidade cultural da nação e o Governo do Estado seria o órgão responsável pelo sucateamento das instituições educacionais e culturais do estado.

OPINIÃO PESSOAL

Não tiro a razão do pessoal de protestar contra aquilo que eles acham que seja nocivo à imagem do movimento estudantil. Porém, a sensação que deu é que eles não prestaram atenção no que havia acabado de ser dito por Rui César e principalmente que eles estavam apenas repetindo o que circula há anos pelos bastidores do movimento: que a Globo é a destruidora do Brasil. Achei meio inocente a repetição deste clichê por parte de presidentes de DCE´s, DA´s, CA´s e por parte de pessoas que batem no peito dizendo que são bem informadas e articuladas.

Se grande parte das informações que circulam na grande imprensa hoje em dia são derivadas de agências de notícias, através deste processo de comunicação vertical, isto significa que todas as emissoras de TV transmitem basicamente os mesmos fatos. O que pode alterar aqui é a abordagem destes, mas mesmo assim, não se pode dizer que a Globo é diabólica e as demais tv´s são santas. Até porque hoje em dia elas se encontram dentro do mesmo patamar. Lembro de ter discutido isso com o Marcelo há um tempo, quando houve um artigo sobre a Rússia no Jornal Nacional. Recordo de ter questionado a respeito da manipulação dos fatos e ele chegou a esta conclusão, que eu prontamente concordei.

Sobre o apoio do Governo do Estado, um dos coordenadores da Bienal deu uma resposta ao pessoal que eu achei interessante. Ele colocou que Jarbas Vasconcelos pode gerir o estado, mas ele não é dono do dinheiro. O dinheiro é nosso, é fruto dos impostos que pagamos, logo ele pode ser utilizado para promover qualquer evento sem que precisemos concordar ou apoiar as atitudes tomadas pela governadoria em outros momentos.

HUMOR COMO FORMA DE COMUNICAÇÃO

Ao final do dia aconteceu uma palestra com os cartunistas Laison, Samuca e Cleriston no Café Literário montado no Auditório Tabocas do Centro de Convenções. Eles falaram sobre humor como forma de comunicação.

Samuca iniciou a palestra falando sobre a diferença entre cartoon e charge. Ele colocou que os cartoons são universais e atemporais enquanto as charges podem refletir um determinado momento da sociedade. Mostrou também que um bom cartunista é aquele que tem um traço que pode ser reconhecido mesmo que ele não coloque seu nome na gravura. Alguns dos trabalhos executados por ele, e mostrados durante a apresentação, deixaram a platéia em riso compulsivo, embora elas refletissem uma realidade muito cruel.

Laison, por sua vez, mostrou uma antologia de charges que sintetizam um pouco do trabalho ao longo dos seus vinte e cinco anos como chargista do Diário de Pernambuco e provou como as charges realmente refletem um período e que um trabalho bem realizado pode influenciar o comportamento de setores da sociedade.

Esta influência foi explicada por Cleriston quando ele citou que a obra de um cartunista ou chargista está fincada na exposição da realidade. Ele diz que um chargista é como um jornalista, antes de desenhar elabora a pauta do dia, traça os caminhos para cumprir aquilo que se propõe e a partir daí começa a executar o trabalho. Ele chama a atenção para o fato de que todo artista que trabalhe com charge precisa estar sempre bem informado. Seria, então, o chargista um jornalista que se expressa através das artes gráficas?

FRASE DO DIA

Sobre formas alternativas de comunicação, acabei me lembrando de uma frase que vi estampada em uma camiseta no início da manhã e que tinha a assinatura de Miró. Ela dizia:

"Apesar das contra indicações, o amor ainda é o melhor remédio"

Esta marcou o dia. Boa noite!